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Participação social e justiça da mobilidade no Brasil

Resumo

Na busca por uma mobilidade urbana mais sustentável e justa, os debates acadêmicos têm considerado a participação da sociedade como um componente fundamental no planejamento de transporte e mobilidade. No entanto, pouco se discutiu sobre o papel da participação na justiça da mobilidade no Sul Global, onde a mobilidade nem sempre é justa e inclusiva. Diante desse cenário, este artigo adota um referencial teórico e metodológico inovador para investigar as práticas, as dinâmicas e os significados da participação dentro e fora do planejamento da mobilidade estatal no Brasil. As descobertas do Rio de Janeiro e de Porto Alegre fornecem evidências sobre diferentes espaços de participação e sua importância no combate a injustiças da mobilidade em assentamentos informais.

participação; justiça da mobilidade; Sul Global; informalidade; mobilidade urbana

Abstract

In the pursuit of more sustainable and just mobilities, academic debates have regarded public participation as a fundamental component in transport and mobility planning. However, little has been discussed about the role of participation in mobility justice in the Global South, where mobilities are not always fair and inclusive. Against this backdrop, this paper adopts an innovative theoretical and methodological framework to investigate the practices, dynamics, and significance of participation within and outside state-led mobility planning in Brazil. The findings from Rio de Janeiro and Porto Alegre provide evidence of a range of spaces for participation and their importance in combating mobility injustices in informal settlements.

participation; mobility justice; Global South; informality; urban mobility

Introdução: a complexidade da participação social na justiça da mobilidade

A participação é um tema amplamente debatido na literatura de planejamento (Pløger, 2001PLØGER, J. (2001). Public participation and the art of governance. Environment and Planning B: Planning and Design, v. 28, pp. 219-241. DOI:10.1068/b2669.; Friedmann, 1987FRIEDMANN, J. (1987). Planning in the public domain: from knowledge to action. Nova Jersey, Princeton University Press.). Desde a década de 1960, a participação ganhou força como uma alternativa aos processos conduzidos por especialistas em planejamento e governança (Sandercock, 1998SANDERCOCK, L. (1998). Towards cosmopolis. Chinchester, John Wiley.). Embora com agendas e propósitos diversos, o surgimento de debates sobre participação representa uma mudança na literatura e prática de planejamento em direção a abordagens mais colaborativas (Innes, 1995INNES, J. E. (1995). Planning theory's emerging paradigm: communicative action and interactive practice. Journal of Planning Education and Research, v. 14, n. 3, pp. 183-189. DOI: 10.1177/0739456X9501400307.; Healey, 2006HEALEY, P. (2006). Collaborative planning. Shaping places in fragmented societies. Basingstoke, Palgrave Macmillan.).

Ao longo dos anos, as abordagens de planejamento participativo foram fortemente criticadas por negligenciar conflitos, forjar práticas de planejamento excludentes e manter interesses dominantes e estruturas de poder (Miraftab, 2018MIRAFTAB, F. (2018). "Insurgent practices and decolonization of future(s)". In: GUNDER, M.; MADANIPOUS, A.; WATSON, V. (eds.). The routledge handbook of planning theory. Londres, Routledge, pp. 276-288.; Chambers, 1997CHAMBERS, R. (1997). Whose reality counts? Putting the first last. Londres, IT Publications.; Cooke e Kothari, 2001COOKE, B.; KOTHARI, U. (2001). Participation: the new tyranny? Londres, Zed Books.; Pløger, 2001PLØGER, J. (2001). Public participation and the art of governance. Environment and Planning B: Planning and Design, v. 28, pp. 219-241. DOI:10.1068/b2669.). Os estudiosos reconheceram limitações, desafios e complexidades do planejamento participativo na promoção de meios mais inclusivos e justos (Brownill e Parker, 2010BROWNILL, S.; PARKER, G. (2010). Why Bother with Good Works? The Relevance of Public Participation(s) in Planning in a Post-collaborative Era. Planning Practice & Research, v. 25, n. 3, pp. 275-282. DOI:10.1080/02697459.2010.503407.; Mitlin, 2021MITLIN, D. (2021). Editorial: Citizen participation in planning: from the neighbourhood to the city. Environment & Urbanization, v. 33, n. 2, pp. 295-309. DOI:10.1177/09562478211035608.). Em resposta, a literatura de planejamento problematizou a própria noção de participação. Os estudiosos reconheceram que "a participação é mais do que o que os planejadores convidam" (Thorpe, 2017THORPE, A. (2017). Rethinking participation, rethinking planning. Planning Theory & Practice, v. 18, n. 4, pp. 566-582. DOI:10.1080/14649357.2017.1371788., p. 577) e lançam luz sobre uma série de práticas e espaços participativos criados dentro e fora das fronteiras governamentais (Cornwall, 2002CORNWALL, A. (2002). Making spaces, changing places: situating participation in development. IDS Working Paper, n. 170, pp. 1-35. Disponível em: https://www.powercube.net/wp-content/uploads/2009/11/making_spaces_changing_places.pdf. Acesso em: 20 jun 2019.
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; Gaventa, 2005)GAVENTA, J. (2005). Reflections on the 'Power Cube' approach for analysing the spaces, places and dynamics of civil society participation and engagement. CFP Evaluation Series 2003-2006. Netherlands, MFP Breed Netwerk..

Esses debates e noções de participação foram expandidos, particularmente com a "virada do Sul" na teoria do planejamento (Miraftab, 2009MIRAFTAB, F. (2009). Insurgent planning: situating radical planning in the Global South. Planning Theory, v. 8, n. 1, pp. 32-50. DOI:10.1177/1473095208099297. e 2020). Baseando-se em teorias pós-coloniais e decoloniais, uma perspectiva do Sul Global emergiu na literatura de planejamento que critica os ideais "dominantes" e as visões de mundo influenciadas pelas teorias e práticas urbanas eurocêntricas e norte-americanas (Watson, 2009WATSON, V. (2009). Seeing from the south: refocusing urban planning on the globe's central urban issues. Urban Studies, v. 46, n. 11, pp. 2259-2275.; Parnell e Oldfield, 2014PARNELL, S.; OLDFIELD, S. (eds.) (2014). The Routledge handbook on cities of the Global South. Abingdon, Routledge.; Mabin, 2014MABIN, A. (2014). "Grounding southern city theory in time and place". In: PARNELL, S.; OLDFIELD, S. (eds.). The Routledge handbook on cities of the Global South. Abingdon, Routledge, pp. 21-36.; Bhan, Srinivas e Watson, 2018; Vainer, 2014)VAINER, C. (2014). "Disseminating 'best practice? The coloniality of urban knowledge and city models". In: PARNELL, S.; OLDFIELD, S. (eds.). The Routledge handbook on cities of the Global South. Abingdon, Routledge, pp. 48-56.. Considerando as raízes coloniais e a história da desigualdade embutida nas cidades do Sul Global, as teorias do Sul trouxeram o fenômeno da “urbanização periférica” (Caldeira, 2017)CALDEIRA, T. P. R. (2017). Peripheral urbanisation: Autoconstruction, transversal logics, and politics in cities of the global south. Environment and Planning D: Society and Space, v. 35, n. 1, pp. 3-20. DOI:10.1177/0263775816658479. e a informalidade para o centro do pensamento urbano (Roy, 2011ROY, A. (2011). Slumdog cities: rethiking subaltern urbanism. International Journal of Urban Research, v. 35, n. 2, pp. 223-238. DOI:10.1111/j.1468-2427.2011.01051.x.; Roy e AlSayyad, 2004)ROY, A.; ALSAYYAD, N. (eds.) (2004). Urban informality: transnational perspectives from the Middle East, Latin America, and South Asia. Maryland, Lexington Books.. Eles têm desafiado noções equivocadas de ilegalidade e suposições de “planejamento adequado”, ao mesmo tempo que trazem à tona as periferias e a informalidade como parte integrante da urbanização e do planejamento (Miraftab, 2020, pMIRAFTAB, F. (2020). Insurgency and juxtacity in the age of urban divides. Urban Forum, v. 31, pp. 433-441. DOI:10.1007/s12132-020-09401-9., p. 435; Roy e AlSayyad, 2004ROY, A.; ALSAYYAD, N. (eds.) (2004). Urban informality: transnational perspectives from the Middle East, Latin America, and South Asia. Maryland, Lexington Books.; Caldeira, 2017)CALDEIRA, T. P. R. (2017). Peripheral urbanisation: Autoconstruction, transversal logics, and politics in cities of the global south. Environment and Planning D: Society and Space, v. 35, n. 1, pp. 3-20. DOI:10.1177/0263775816658479.. Uma lente do Sul permitiu um novo olhar sobre as estratégias de autoconstrução “insurgentes”, de defesa, parceria e cooperação que moldam a construção de cidades no Sul Global e ajudaram a conceituar formas de participação de grupos marginalizados e subalternos “como a própria prática de planejamento” (Frediani e Cociña, 2019, pFREDIANI, A. A.; COCIÑA, C. (2019). Participation as planning: strategies from the South to challenge the limits of planning. Built Environment. People, Plans and Places 2: Realizing Participation, v. 45, n. 2, pp. 143-161. DOI:10.2148/benv.45.2.143., p. 148; Miraftab, 2009MIRAFTAB, F. (2009). Insurgent planning: situating radical planning in the Global South. Planning Theory, v. 8, n. 1, pp. 32-50. DOI:10.1177/1473095208099297.; 2020; Mitlin, 2021MITLIN, D. (2021). Editorial: Citizen participation in planning: from the neighbourhood to the city. Environment & Urbanization, v. 33, n. 2, pp. 295-309. DOI:10.1177/09562478211035608.; Watson, 2009)WATSON, V. (2009). Seeing from the south: refocusing urban planning on the globe's central urban issues. Urban Studies, v. 46, n. 11, pp. 2259-2275..

Usando essas noções de participação advindas da literatura de planejamento, este artigo analisa como a participação é compreendida e praticada no planejamento da mobilidade no Sul Global. Ao contrário das abordagens sociológicas sobre “mobilidade social” que se referem à mobilidade como o movimento de classes socioeconômicas ascendentes ou descendentes, a mobilidade urbana, neste artigo, diz respeito ao “movimento espacial de humanos, não humanos e objetos” dentro da escala da cidade (Sheller, 2021SHELLER, M. (2021). Mobilities. Cheltenham, Edward Elgar., p. 12). Dessa forma, a mobilidade engloba não apenas os aspectos concretos de movimento e transporte, mas também significados, sensações e percepções (Kwan e Schwanen, 2016KWAN, M.; SCHWANEN, T. (2016). Geographies of mobility. Annals of the American Association of Geographers, v. 106, n. 2, pp. 243-256. DOI:10.1080/24694452.2015.1123067.) relacionados a “todas as formas pelas quais as pessoas se relacionam socialmente com a mudança de lugar” (Jirón, 2013JIRÓN, P. (2013). "The importance of the experience of mobility in transport planning. Learning from Santiago de Chile". In: DÁVILA, J. D. (ed.). Urban mobility and poverty. Lessons from Medellín and Soacha, Colombia. Londres, Development Planning Unit e Universidad Nacional de Colombia., p. 31).

No campo dos estudos e planejamento de transporte e mobilidade, as abordagens e debates tecnocratas e liderados por especialistas têm uma longa tradição (Keblowski e Bassens, 2018KEBLOWSKI, W.; BASSENS, D. (2018). "All transport problems are essentially mathematical": the uneven resonance of academic transport and mobility knowledge in Brussels. Urban Geography, v. 39, n. 3, pp. 413-437. DOI:10.1080/02723638.2017.1336320.). Com o surgimento de mudanças ideológicas e paradigmáticas no pensamento sobre a mobilidade para além das abordagens tecnocráticas, de infraestrutura e puramente racionais, no início dos anos 2000, a participação pública ganhou atenção nos estudos de transporte e mobilidade. Esse período é marcado pelo surgimento de debates que consideram a participação como um mecanismo essencial de governança, planejamento de transporte e mobilidade (Hodgson e Turner, 2003HODGSON, F. C.; TURNER, J. (2003). Participation not consumption: the need for new participatory practices to address transport and social exclusion. Transport Policy, v. 10, n. 4, pp. 265-272. DOI: 10.1016/j.tranpol.2003.08.001.; Dimitriou e Gakenheimer, 2011DIMITRIOU, H. T.; GAKENHEIMER, R. (eds.) (2011). Urban transport in the developing world. A handbook of policy and practice. Cheltenham, Edward Elgar.; Verlinghieri, 2020VERLINGHIERI, E. (2020). Learning from the grassroots: a resourcefulness-based worldview for transport planning. Transport Research Part A, v. 133, pp. 364-377. DOI:10.1016/j.tra.2019.07.001.; Ward, 2001WARD, D. (2001). Stakeholder involvement in transport planning: participation and power, transport planning. Impact Assessment and Project Appraisal, v. 19, n. 2, pp. 119-130. DOI:10.3152/147154601781767131.).

À luz das questões sociais e ambientais exacerbadas pelos sistemas de transporte e pelas condições de mobilidade desiguais em todo o mundo, a participação tem sido colocada como um componente fundamental para a promoção de futuros mais justos e sustentáveis (Banister, 2008BANISTER, D. (2008). The sustainable mobility paradigm. Transport Policy, v. 15, n. 2, pp. 73-80. DOI:10.1016/j.tranpol.2007.10.005.; Pereira, Schwanen e Banister, 2017; Sheller, 2018SHELLER, M. (2018). Mobility justice. The politics of movement in an age of extremes. Londres, Verso.).

No paradigma da mobilidade sustentável, por exemplo, a participação foi promulgada como um mecanismo para identificar as expectativas das pessoas e promover o envolvimento ativo de diferentes partes interessadas (Banister, 2008BANISTER, D. (2008). The sustainable mobility paradigm. Transport Policy, v. 15, n. 2, pp. 73-80. DOI:10.1016/j.tranpol.2007.10.005.). A retórica participativa é construída sobre noções de participação como um meio para alcançar a aceitabilidade pública de medidas políticas e um catalisador para mudanças comportamentais e sociais (Verlinghieri, 2019VERLINGHIERI, E. (2019). "Participating in health: the healthy outcomes of citizen participation in urban and transport planning". In: NIUWENHUIJSEN, M.; KHREIS, H. (eds.). Integrating human health into urban and transport planning. Cham, Springer, pp. 535-562.). Nas abordagens de justiça de transporte, as noções de justiça distributiva são proeminentes e dizem respeito à distribuição equitativa da infraestrutura de transporte e acesso justo à mobilidade (Martens, 2017MARTENS, K. (2017). Transport justice: designing fair transportation systems. Abingdon, Routledge.). Escritos posteriores, como o trabalho de Pereira, Schwanen e Banister (2017), expandiram as conceituações de justiça de transporte para considerar a justiça processual no planejamento de transporte e a importância do planejamento participativo para sistemas de transporte e processos de tomada de decisão mais equitativos.

Essas abordagens participativas corroboram as noções idealizadas, consensuais e sem conflito de participação e teorias colaborativas que foram amplamente criticadas na literatura de planejamento por não mudarem nada na prática. Estas limitam a participação a comunicar, informar e “vender os benefícios” da mobilidade sustentável ao público (Banister, 2008BANISTER, D. (2008). The sustainable mobility paradigm. Transport Policy, v. 15, n. 2, pp. 73-80. DOI:10.1016/j.tranpol.2007.10.005., p. 78). Além disso, a “ontologia sedentária” e estática da justiça de transporte foi considerada inadequada para descompactar o que constitui a justiça além do domínio do transporte e acessibilidade (Cook e Butz, 2019COOK, N.; BUTZ, D. (eds.) (2019). Mobilities, mobility justice and social justice. Abingdon, Routledge., p. 13).

Em resposta, surgiu uma abordagem “móvel” da justiça teorizando explicitamente a “justiça da mobilidade” e buscando abranger as complexidades de mobilidade de diferentes corpos, grupos e espaços em escalas locais, nacionais e transnacionais (ibid.; Sheller, 2018SHELLER, M. (2018). Mobility justice. The politics of movement in an age of extremes. Londres, Verso.). Abordagens de justiça de mobilidade também fizeram avançar as noções de participação, conforme explicado na seção a seguir.

Justiça da mobilidade

Conceituações de “justiça de mobilidade” surgiram nos últimos anos, buscando entender e enfrentar as experiências de mobilidade desiguais e políticas de tomada de decisão (Sheller, 2018SHELLER, M. (2018). Mobility justice. The politics of movement in an age of extremes. Londres, Verso.; Cook e Butz, 2019COOK, N.; BUTZ, D. (eds.) (2019). Mobilities, mobility justice and social justice. Abingdon, Routledge.). Sem um acordo comum sobre suas definições ou significados, as noções de justiça de mobilidade incorporam perspectivas feministas, raciais críticas e pós-coloniais para desenvolver entendimentos holísticos, interdisciplinares e multifacetados sobre as injustiças e as diferentes necessidades, práticas e experiências de mobilidade cotidiana (Cook e Butz, 2019COOK, N.; BUTZ, D. (eds.) (2019). Mobilities, mobility justice and social justice. Abingdon, Routledge.; Verlinghieri e Schwanen, 2020VERLINGHIERI, E.; SCHWANEN, T. (2020). Transport and mobility justice: Evolving discussions. Journal of Transport Geography, v. 87, pp. 1-7. DOI:10.1016/j.jtrangeo.2020.102798.
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).

Mimi Sheller (2018)SHELLER, M. (2018). Mobility justice. The politics of movement in an age of extremes. Londres, Verso. foi a primeira a cunhar o termo justiça da mobilidade (Cook e Butz, 2019COOK, N.; BUTZ, D. (eds.) (2019). Mobilities, mobility justice and social justice. Abingdon, Routledge.). Conceito que surge à luz de uma “tripla crise de mobilidade”, resultante de alterações climáticas, urbanização intensiva e uso de automóveis, desigualdades sociais e violência persistente contra refugiados e populações racializadas (Sheller, 2018SHELLER, M. (2018). Mobility justice. The politics of movement in an age of extremes. Londres, Verso., p. 3). Conceituações de justiça de mobilidade foram desenvolvidas para pensar mais claramente sobre políticas desiguais, capacidades e direitos de se mover e permanecer, que envolvem diferentes corpos, sistemas de transporte, fronteiras nacionais e escalas planetárias (ibid.).

Na estrutura de Sheller, a participação foi reforçada como um elemento crucial para o planejamento da mobilidade e a tomada de decisões. A autora refere-se à justiça deliberativa como o potencial para influenciar decisões e reivindica que os processos deliberativos devem reconhecer as vulnerabilidades que afetam as mobilidades de diferentes grupos sociais, abordar as desigualdades de poder existentes entre os participantes e reconhecer as experiências, contribuições e contribuições legítimas da sociedade.

Isso está entrelaçado com aspectos da justiça processual e epistêmica. A primeira é entendida como “a participação significativa das populações afetadas na governança dos sistemas de transporte” (ibid., p. 32). Essa vertente da justiça da mobilidade lida com as complexidades estruturais da participação, a necessidade de incluir grupos desempoderados e promover o acesso aberto a informação e informações substanciais e consentimento. Justiça epistêmica refere-se à necessidade de reconhecer e criar "novas formas de conhecimento, novos fatos e novas formas de reconciliar formas de conhecimento aparentemente incomensuráveis" (ibid., p. 33). Além disso, Sheller destaca que as populações afetadas por mudanças climáticas, projetos de transporte, desastres naturais, remoções e deslocamentos causados pelo Estado e mobilidade excessiva de indivíduos de classes dominantes também requerem justiça restaurativa para reparar os danos causados e atribuir responsabilidades a quem os causou.

À luz dos desafios de mobilidade identificados no Sul Global (que podem ser semelhantes a alguns contextos do Norte Global), o planejamento de transporte e mobilidade tem sido criticado por amplificar predominantemente as vozes de homens brancos, jovens e de classe média e homogeneizar usuários de transporte e habitantes da cidade, enquanto as necessidades e as perspectivas de mulheres, crianças, idosos e grupos marginalizados permanecem negligenciadas (Oviedo e Guzmán, 2021OVIEDO, D.; GUZMÁN, L. A. (2021). "Should urban transport become a social policy? Interrogating the role of accessibility in social equity and urban development in Bogotá, Colombia". In: OVIEDO, D.; DUARTE, N. V.; PINTO, A. M. A. (eds.). Urban mobility and social equity in Latin America: evidence, concepts and methods. Bingley, Emerald Publishing Limited, pp. 11-32.; Lucas e Stanley, 2013LUCAS, K.; STANLEY, J. (2013). Achieving socially sustainable transport in the development context. In: 13TH WORLD CONFERENCE ON TRANSPORT RESEARCH RIO DE JANEIRO. Disponível em: http://www.wctrs-society.com/wp-content/uploads/abstracts/rio/selected/969.pdf. Acesso em: 15 fev 2021.
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). Assim, a literatura considera a participação das populações locais nos processos de decisão, planeamento e gestão como condição fundamental para a melhoria das mobilidades e dos sistemas de transporte (Dimitriou e Gakenheimer, 2011DIMITRIOU, H. T.; GAKENHEIMER, R. (eds.) (2011). Urban transport in the developing world. A handbook of policy and practice. Cheltenham, Edward Elgar.; Pereira, Schwanen e Banister, 2017). O envolvimento de populações marginalizadas nos processos de tomada de decisão também tem sido visto como um mecanismo desejável para alcançar a justiça da mobilidade (Ritterbusch, 2019RITTERBUSCH, A. E. (2019). "Exploring the mobilities of forced displacement and state violence against homeless citizens in Bogotá, Colombia". In: COOK, N.; BUTZ, D. (eds.). Mobilities, mobility justice and social justice. Abingdon, Routledge, pp. 173-187.). No entanto, essas noções de participação no planejamento da mobilidade liderado pelo Estado não expandem muito ou problematizam os desequilíbrios de poder e o alcance dos processos participativos. As comunidades marginalizadas foram percebidas como desvinculadas dos processos de planejamento da mobilidade, sem saber como obter melhores condições de mobilidade para si mesmas (Maia et al., 2016MAIA, M. L.; LUCAS, K.; MARINHO, G.; SANTOS, E.; DE LIMA, J. H. (2016). Access to the Brazilian City - From the perspectives of low-income residents in Recife. Journal of Transport Geography, v. 55, pp. 132-141. DOI:10.1016/j.jtrangeo.2016.01.001.) e sendo incapazes de resolver as desigualdades (Lucas, 2021LUCAS, K. (2021). "Prologue". In: OVIEDO, D.; DUARTE, N. V.; PINTO, A. M. A. (eds.). Urban mobility and social equity in Latin America: evidence, concepts and methods. Bingley, Emerald Publishing.). No entanto, pouco se sabe sobre se/como as populações marginalizadas criam estratégias para superar as desigualdades de mobilidade, exercem participação no planejamento da mobilidade fora do Estado ou desafiam narrativas de informalidade em termos de fracasso e falta de planejamento (Schwanen, 2018SCHWANEN, T. (2018). Towards decolonised knowledge about transport. Palgrave Communications, v. 4, n. 79, pp. 1-6. DOI:10.1057/s41599-018-0130-8.
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).

Apesar de avanços e extensas críticas de abordagens comunicativas e colaborativas na literatura de planejamento, os estudos de mobilidade permanecem enraizados em noções de participação idealizadas, consensuais e sem conflito. Este é o caso das últimas contribuições da literatura sobre as conceptualizações de justiça de mobilidade. Entretanto, pouco se discute sobre os limites da participação no planejamento da mobilidade e das práticas participativas para além dos espaços governamentais.

A complexa interação entre participação e mobilidade permanece pouco explorada, particularmente no contexto do Sul Global, onde as mobilidades ( mobilities ) nem sempre são justas e inclusivas (Oviedo e Guzmán, 2021OVIEDO, D.; GUZMÁN, L. A. (2021). "Should urban transport become a social policy? Interrogating the role of accessibility in social equity and urban development in Bogotá, Colombia". In: OVIEDO, D.; DUARTE, N. V.; PINTO, A. M. A. (eds.). Urban mobility and social equity in Latin America: evidence, concepts and methods. Bingley, Emerald Publishing Limited, pp. 11-32.; Santini, Santarém e Albergaria, 2021; Vasconcellos, 2001VASCONCELLOS, E. A. (2001). Urban Transport, environment and equity: the case for developing countries. Londres, Routledge. e 2014). Embora a pesquisa sobre mobilidade no Sul Global tenha reconhecido a natureza excludente do planejamento e das políticas de mobilidade (ibid.), pouco se discute sobre o papel da participação fora dos limites do planejamento, particularmente em contextos de marginalização. Para preencher essas lacunas de conhecimento, as próximas seções apresentam o referencial conceitual e metodológico utilizado nesta pesquisa.

Referencial conceitual

Este artigo utiliza a noção de “espaços de participação” para investigar o papel da participação na justiça da mobilidade no Sul Global. Ecoando amplamente o conceito de espaço de Lefebvre (1991)LEFEBVRE, H. (1991). The production of space. Oxford, Blackwell., a abordagem de espaços para participação foi adotada em estudos de desenvolvimento (Cornwall, 2002CORNWALL, A. (2002). Making spaces, changing places: situating participation in development. IDS Working Paper, n. 170, pp. 1-35. Disponível em: https://www.powercube.net/wp-content/uploads/2009/11/making_spaces_changing_places.pdf. Acesso em: 20 jun 2019.
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; Gaventa, 2005GAVENTA, J. (2005). Reflections on the 'Power Cube' approach for analysing the spaces, places and dynamics of civil society participation and engagement. CFP Evaluation Series 2003-2006. Netherlands, MFP Breed Netwerk.) e planejamento (Carpenter, 2014CARPENTER, J. (2014). Giving a voice to the banlieues? Spaces of participation in urban regeneration projects. Francospheres, v. 3, n. 2, pp. 129-143. DOI:10.3828/franc.2014.11.; Miraftab, 2009MIRAFTAB, F. (2009). Insurgent planning: situating radical planning in the Global South. Planning Theory, v. 8, n. 1, pp. 32-50. DOI:10.1177/1473095208099297. e 2020) como uma forma de entender as formas de participação, os locais onde ocorrem os engajamentos e as interações entre os espaços. Dentro da abordagem dos espaços de participação, as dinâmicas de poder também são objeto de exame. Gaventa (2005GAVENTA, J. (2005). Reflections on the 'Power Cube' approach for analysing the spaces, places and dynamics of civil society participation and engagement. CFP Evaluation Series 2003-2006. Netherlands, MFP Breed Netwerk., 2006GAVENTA, J. (2006). Finding the spaces for change: A power analysis. IDS Bulletin, v. 37, n. 6, pp. 23-33. Disponível em: https://www.powercube.net/wp-content/uploads/2009/12/finding_spaces_for_change.pdf. Acesso em: 20 jul 2019.
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) desenvolveu a estrutura do “cubo de poder” ( Figura 1 ) para analisar os níveis e as formas de poder em diferentes espaços de participação.

Figura 1
– Cubo de poder ( Power Cube )

A utilidade da abordagem é que ela se concentra não apenas nos canais nos quais as pessoas foram “convidadas” ( invited space s) a participar da tomada de decisões, mas também nos espaços “reivindicados” ( claimed spaces ) que são criados pelos próprios participantes, em vez de concebidos para a participação de outros (Cornwall, 2002CORNWALL, A. (2002). Making spaces, changing places: situating participation in development. IDS Working Paper, n. 170, pp. 1-35. Disponível em: https://www.powercube.net/wp-content/uploads/2009/11/making_spaces_changing_places.pdf. Acesso em: 20 jun 2019.
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). A noção de espaços reivindicados também pode ter uma conotação mais radical. Miraftab (2009)MIRAFTAB, F. (2009). Insurgent planning: situating radical planning in the Global South. Planning Theory, v. 8, n. 1, pp. 32-50. DOI:10.1177/1473095208099297., por exemplo, usa o conceito de “espaços inventados” ( invented spaces ) para designar as ações coletivas mobilizadas pelos pobres que confrontam diretamente as autoridades e desafiam o status qu o e o sistema neoliberal. Essa abordagem se relaciona com o conceito de insurgência desenvolvido por Holston (2009)HOLSTON, J. (2009). Insurgent citizenship in an era of global urban peripheries. City and Society, v. 21, n. 2, pp. 245-267. DOI: 10.1111/j.1548-744X.2009.01024.x. e Sandercock (1998)SANDERCOCK, L. (1998). Towards cosmopolis. Chinchester, John Wiley. e destaca o fato de que os espaços de participação não se limitam a arenas sancionadas (espaços convidados) pelas autoridades. Essa lente é útil porque abre espaço para conceituar e examinar o significado das práticas participativas dentro e fora dos limites do planejamento oficial.

Além disso, esta pesquisa se baseia no modelo da “encenação da mobilidade” ( staging mobilities ) desenvolvido por Jensen (2013JENSEN, O. B. (2013). Staging mobilities. Routledge, Abingdon. e 2014) para investigar os espaços de participação no planejamento da mobilidade ( Figura 2 ). Esse modelo analítico originalmente se concentrou na dinâmica entre a governança do planejamento da mobilidade "de cima" (planejamento, design, regulamentações e instituições) e as experiências de mobilidade de indivíduos "de baixo" (interações e performances de mobilidade).

Figura 2
– Encenação da mobilidade (Staging mobilities)

Neste estudo, utiliza-se o arcabouço das mobilidades de encenação como um guia para explorar os espaços de participação nas mobilidades de encenação de cima (dentro dos limites governamentais) e de baixo (fora do aparato estatal). Essas abordagens formam a base conceitual para explorar o tópico de pesquisa, preenchendo as lacunas de conhecimento e respondendo às questões de pesquisa apresentadas na seção seguinte.

Metodologia para investigar o papel da participação no Rio de Janeiro e em Porto Alegre

Agora serão explicados os critérios para a seleção do Brasil para a investigação empírica. O Brasil, assim como outros países em desenvolvimento, é marcado por desigualdades sociais, espaciais e de mobilidade. No País, as políticas públicas e o planejamento têm sido acusados de perpetuar formas excludentes de conceber e configurar a mobilidade urbana e de reforçar as desigualdades sociais e as injustiças de mobilidade em vez de diminuí-las (Vasconcellos, 2001VASCONCELLOS, E. A. (2001). Urban Transport, environment and equity: the case for developing countries. Londres, Routledge. e 2014). Essa “tradição elitista de planejamento” (Fernandes, 2018FERNANDES, E. (2018) "Urban Planning at a crossroads: a critical assessment of Brazil's City Statute, 15 years later". In: BHAN, G.; SRINIVAS, S.; WATSON, V. (eds.). Companion to planning in the Global South. Hyderabad, Orient Blackswan, pp. 48-58., p. 54) é exemplificada pela inadequação do planejamento à crescente urbanização periférica do País e pelas relações desiguais entre quem planeja e quem sofre com o planejamento urbano e de transportes desigual, como a questão de quem influencia as decisões e políticas.

As desigualdades de gênero, raça e classe foram trazidas à tona para criticar como, por quem e para quem a mobilidade e o transporte são concebidos, planejados e operacionalizados no Brasil (Santini, Santarém e Albergaria, 2021) e em outros países da América Latina (Oviedo e Guzmán, 2021OVIEDO, D.; GUZMÁN, L. A. (2021). "Should urban transport become a social policy? Interrogating the role of accessibility in social equity and urban development in Bogotá, Colombia". In: OVIEDO, D.; DUARTE, N. V.; PINTO, A. M. A. (eds.). Urban mobility and social equity in Latin America: evidence, concepts and methods. Bingley, Emerald Publishing Limited, pp. 11-32.). A literatura mostra uma preocupação crescente em relação àqueles que planejam as mobilidades de cima serem geralmente homens brancos de classe média que têm uma visão limitada de realidades, problemas e soluções (ibid.; Santini, Santarém e Albergaria, 2021).

Dadas às desigualdades sociais, espaciais e de mobilidade do País, o Brasil foi escolhido como o principal local para a investigação empírica. Dentro do Brasil, duas cidades foram selecionadas para um exame aprofundado do papel da participação no planejamento da mobilidade: Rio de Janeiro e Porto Alegre. Os critérios de seleção dessas duas capitais foram: (1) certa semelhança em políticas e projetos de mobilidade empreendidos; (2) presença de movimentos sociais e organizações não governamentais que defendem os direitos de mobilidade fora do Estado; e (3) diferentes tradições de participação no planeamento liderado pelo Estado.

Enquanto Porto Alegre é conhecida internacionalmente por implementar o primeiro sistema de orçamento participativo em 1988 (Avritzer, 2006AVRITZER, L. (2006). New public spheres in Brazil: local democracy and deliberative politics. International Journal of Urban and Regional Research, v. 30, n. 3, pp. 623-637. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1468-2427.2006.00692.x.
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), tornando-se um modelo de governança participativa, o Rio de Janeiro tem uma longa tradição de participação popular (Souza, 2006SOUZA, M. L. de (2006). Together with the state, despite the state, against the state. Social movements as critical urban planning' agents. City, v. 10, n. 3, pp. 327-342. DOI:10.1080/13604810600982347.). O Rio de Janeiro abriga a maior população de favelas do Brasil, com mais de 22% dos habitantes residindo em assentamentos informais em toda a cidade (Izaga et al., 2019IZAGA, F. G. de; REBELLO, F. C. M.; NETTO, J. G. R. A.; MAIA, J. M. B. (2019). Acessibilidade às favelas. Por uma agenda do direito à mobilidade urbana, análises nas bordas das comunidades na Área de Planejamento 2 no Rio de Janeiro. In: XVIII ENANPUR. Anais, Natal. Disponível em: http://anpur.org.br/xviiienanpur/anaisadmin/capapdf.php?reqid=973. Acesso em: 15 abr 2021.
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). A pesquisa investiga se essa diferença fortalece ou fragiliza a capacidade de participação no planejamento da mobilidade e que tipo de espaços de participação ela possibilita.

Uma semelhança entre o Rio de Janeiro e Porto Alegre é que ambas são capitais estaduais que passaram pelo desenvolvimento de planos de mobilidade liderados pelos municípios, projetos de urbanização de favelas e transformações urbanas e de transporte durante a preparação para sediar megaeventos, como a Copa do Mundo de 2014 e o os Jogos Olímpicos de 2018. Outra semelhança é o fato de que essas cidades têm uma proporção crescente de sua população vivendo em Áreas de Especial Interesse Social (AEIS), sendo consideradas no planejamento brasileiro como assentamentos “irregulares”, “informais” e “precários”. Portanto, também foi selecionada uma favela em cada cidade para explorar como/se as populações marginalizadas se engajam na participação liderada pelo Estado ou criam espaços alternativos.

Foram escolhidas, para este estudo, a Favela Santa Marta no Rio de Janeiro e a Vila Tronco em Porto Alegre. Embora tendo diferentes geografias, contextos políticos e histórias de ocupação por seus moradores e controle pelo Estado, a Favela Santa Marta ( Figura 3 ) e a Vila Tronco ( Figura 4 ) estão localizadas em bairros centrais abastados, com ampla oferta de transporte público e infraestrutura de mobilidade. No entanto, ambos os bairros são social e morfologicamente distintos das áreas “formais” ao seu redor (Izaga et al., 2019IZAGA, F. G. de; REBELLO, F. C. M.; NETTO, J. G. R. A.; MAIA, J. M. B. (2019). Acessibilidade às favelas. Por uma agenda do direito à mobilidade urbana, análises nas bordas das comunidades na Área de Planejamento 2 no Rio de Janeiro. In: XVIII ENANPUR. Anais, Natal. Disponível em: http://anpur.org.br/xviiienanpur/anaisadmin/capapdf.php?reqid=973. Acesso em: 15 abr 2021.
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), pois são marcados por baixa renda, altos índices de informalidade e distribuição desigual da infraestrutura pública. Em contraste com áreas marginalizadas situadas em periferias geográficas que têm sido amplamente debatidas com foco na acessibilidade e justiça distributiva (Pereira et al., 2019PEREIRA, R. H. M.; SCHWANEN, T.; BANISTER, D.; WESSEL, N. (2019). Distributional effects of transport policies on inequalities in access to opportunities in Rio de Janeiro. Journal of Transport and Land Use, v. 12, n. 1, pp. 741-764. DOI:10.5198/jtlu.2019.1523.
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; Oviedo e Guzmán, 2021OVIEDO, D.; GUZMÁN, L. A. (2021). "Should urban transport become a social policy? Interrogating the role of accessibility in social equity and urban development in Bogotá, Colombia". In: OVIEDO, D.; DUARTE, N. V.; PINTO, A. M. A. (eds.). Urban mobility and social equity in Latin America: evidence, concepts and methods. Bingley, Emerald Publishing Limited, pp. 11-32.; Duarte, Oviedo e Pinto, 2021), a condição central da Favela Santa Marta e da Vila Tronco foi explorada como fator positivo e, ao mesmo tempo, dificultador para a realização das mobilidades cotidianas. No Brasil, as favelas centrais são objeto de disputas, remoções e atenção inconsistente do Estado (Rolnik, 2013ROLNIK, R. (2013). "Dez anos do Estatuto da Cidade: das lutas pela reforma urbana às cidades da Copa do Mundo". In: RIBEIRO, A. C. T.; VAZ, L. F.; SILVA, M. L. P. da (eds.). Leituras da cidade. Rio de Janeiro, Letra Capital, pp. 87-104.). Esses bairros passaram por ações de urbanização de favelas – como é o caso da Favela Santa Marta – e projetos de transporte municipal – Vila Tronco – que afetaram as mobilidades e o funcionamento interno desses territórios. Com as semelhanças e diferenças entre os dois contextos, a pesquisa explora a importância da mobilidade e da participação dentro e fora dos limites do planejamento da mobilidade conduzido pelo Estado.

Figura 3
– Favela Santa Marta, Rio de Janeiro

Figura 4
– Vila Tronco, Porto Alegre

Para esta investigação, o trabalho de campo foi realizado em 2019 e 2020 durante a pandemia de covid-19, quando estavam em vigor medidas de bloqueio e restrições de saúde pública. Os dados foram coletados por meio de uma combinação de métodos presenciais e remotos, como análise de discurso de 29 documentos de políticas e relatórios oficiais; 30 entrevistas presenciais e remotas com profissionais do governo municipal e estadual, representantes de organizações não governamentais e acadêmicos; e 23 entrevistas com elicitações de foto1 1 Algumas das fotos tiradas por participantes (cujas identidades foram protegidas através do uso de pseudônimos) são apresentadas neste artigo, como as Figuras 3, 4, 9 e 10. remotas com moradores dos bairros de estudo de caso.

A análise de políticas investigou como a participação é articulada nas políticas de mobilidade nos níveis nacional, estadual e municipal. As entrevistas buscaram identificar os atores, aberturas e fechamentos de espaços de participação e definições de participação e justiça de mobilidade. As entrevistas remotas com elicitações de foto exploraram os detalhes minuciosos das experiências cotidianas de mobilidade e práticas participativas em territórios marginalizados. Este último método foi utilizado como uma oportunidade para superar a falta de presença física no campo e interagir com a riqueza das fotografias e narrativas dos participantes (Rose, 2023ROSE, G. (2023). Visual methodologies. An introduction to researching with visual materials. Londres, Sage Publications.). A análise do discurso foi usada para examinar os documentos produzidos pelo e para o Estado e a análise temática qualitativa e quantitativa para capturar os temas emergentes nas entrevistas e elicitação de fotos (Nowell et al., 2017NOWELL, L. S.; NORRIS, J. M.; WHITE, D. E.; MOULES, N. J. (2017). Thematic analysis: Striving to meet the trustworthiness criteria. International Journal of Qualitative Methods, v. 16, pp. 1-13. DOI:10.1177/1609406917733847.). Os resultados demonstram uma variedade de espaços de participação e significados de participação e mobilidade, que são apresentados e discutidos nas seções a seguir.

Participação dentro e fora dos limites estatais

Através do mapeamento das práticas de participação relacionadas à mobilidade urbana, é possível identificar uma série de espaços “dentro e fora do Estado” nas escalas nacionais, municipais e de bairro. Esta seção apresenta e analisa esses espaços, as dinâmicas entre atores sociais e os significados de participação para a justiça da mobilidade.

Espaços convidados

A investigação dos espaços de participação desta pesquisa teve início com a identificação de espaços convidados no planejamento da mobilidade nas escalas nacionais, municipais e de bairro, uma vez que estes recebem grande visibilidade e são mais bem documentados. Dentro desses espaços estão: (1) políticas nacionais incentivando a participação social no planejamento e monitoramento da mobilidade urbana; (2) planos de mobilidade municipais convidando a participação de cidadãos e de organizações não governamentais (ONGs); e (3) projetos de infraestrutura de mobilidade promovendo espaços para participação de comunidades locais. Diferentes abordagens e dinâmicas da participação podem ser observadas nesses espaços.

Primeiramente, a análise aponta uma crescente inclusão da participação pública na política urbana brasileira. Após anos de ditadura militar e com a consolidação da democracia no final dos anos 1980, as políticas nacionais passaram a considerar a participação como um instrumento desejável no planejamento, desenvolvimento e fiscalização das políticas urbanas, como o Estatuto da Cidade (Avritzer, 2006AVRITZER, L. (2006). New public spheres in Brazil: local democracy and deliberative politics. International Journal of Urban and Regional Research, v. 30, n. 3, pp. 623-637. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1468-2427.2006.00692.x.
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). Algumas décadas depois, as exigências federais buscaram abrir os limites institucionais do planejamento da mobilidade, um campo dominado principalmente por decisões tecnocráticas de “cima para baixo”. Exemplo disso é a sanção da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU) em 2012 (Fernandes Barata, 2019FERNANDES BARATA, A. (2019). The Nexus of Social Participation and Healthy Urban Mobility in Brazil. TDE Postgraduate Research Student Conference Booklet, pp. 13-17.; Fernandes Barata, Jones e Brownill, 2023). Esse instrumento legal representa um deslocamento do entendimento da mobilidade para além do transporte e a consolidação da gestão democrática como instrumento da política de mobilidade. Os planos municipais de mobilidade tornaram-se o principal instrumento para concretizar a política nacional e incorporar procedimentos participativos.

A política não menciona a palavra “justiça” no texto e usa o discurso de “equidade” para abordar até mesmo o acesso dos cidadãos aos transportes públicos, espaços públicos e serviços. Apesar disso, a política incorpora alguns dos aspectos da justiça distributiva, deliberativa e restaurativa discutidos por Sheller (2018)SHELLER, M. (2018). Mobility justice. The politics of movement in an age of extremes. Londres, Verso.. Como princípios fundamentais, o artigo 5º da lei n. 2.587 (Brasil, 2012BRASIL (2012). Lei n. 12.587, de 3 de janeiro, institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm. Acesso em: 30 mar 2021.
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) estabelece a necessidade de promover (1) a acessibilidade universal e o acesso equitativo aos espaços públicos de circulação e ao transporte público coletivo (justiça distributiva); (2) gestão democrática, controle social e avaliação do PNMU (justiça deliberativa); e (3) distribuição justa de benefícios e ônus decorrentes do uso de diferentes modos e serviços (justiça restaurativa). Ao longo do texto, a política também inclui aspectos de justiça processual, ao mencionar a necessidade de procedimentos de comunicação sistematizados e o direito dos usuários de mobilidade de serem informados em linguagem acessível e de fácil compreensão.

Apesar dos avanços na promoção de uma agenda de mobilidade no Brasil, a política em si tem sido acusada de fornecer instrumentos legais pouco claros a serem seguidos no desenvolvimento de planos de mobilidade nos níveis municipais (Maranhão, Orrico Filho e Santos, 2017). A política oferece apenas uma abordagem genérica para a redução das desigualdades sociais e da influência negativa do transporte individual motorizado. Além disso, existem várias barreiras em municípios de pequeno e médio porte que restringem o desenvolvimento e a implementação de planos de mobilidade (Bezerra, Santos e Delmonico, 2020). Além da falta de integração entre os órgãos públicos (como transporte e ordenamento do território) e das restrições orçamentárias, a pesquisa no Rio de Janeiro e em Porto Alegre evidenciou que a abertura da participação no desenvolvimento de planos de mobilidade trouxe inúmeros desafios para as gestões municipais.

No âmbito municipal e estadual, as entrevistas com profissionais do Rio de Janeiro e de Porto Alegre demonstram que a criação de espaços convidados para participação em projetos e planos de mobilidade é desafiadora em ambas as cidades, com reputações e tradições diferentes de envolvimento com a participação pública. Espaços convidados, apesar de sua abertura histórica e tentativa genuína de permitir contribuições de baixo, ainda revelam algumas limitações do que está em jogo para a participação e sobre quem pode acessar plenamente esses espaços.

Além disso, esta pesquisa também identificou que ONGs internacionais e locais ocupam o papel de experts (Sosa Lopez e Montero, 2018SOSA LOPEZ, O.; MONTERO, S. (2018). 'Expert-citizens: producing and contesting sustainable mobility policy on Mexican cities'. Journal of Transport Geography, v. 67, pp. 137-144. DOI:10.1016/j.jtrangeo.2017.08.018.) nas duas cidades, oferecendo materiais e dados, elaborando projetos e participando e auxiliando em eventos, como a preparação de oficinas participativas para planos de mobilidade locais e intervenções urbanas temporárias, como ações de Urbanismo Tático e Ruas Completas (Figuras 5 e 6). Essas ONGs em si configuram “novos espaços de participação”, como aponta Cornwall (2002CORNWALL, A. (2002). Making spaces, changing places: situating participation in development. IDS Working Paper, n. 170, pp. 1-35. Disponível em: https://www.powercube.net/wp-content/uploads/2009/11/making_spaces_changing_places.pdf. Acesso em: 20 jun 2019.
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, p. 13), uma vez que elas rompem os limites entre os espaços convidados e reivindicados. Entretanto, nem todas as ONGs conseguem obter essa influência dentro dos limites governamentais e nem todas as ações que elas criam ou das quais participam são capazes de abarcar algumas violações críticas da justiça de mobilidade vividas por populações marginalizadas, como veremos a seguir.

Figura 5
– Intervenção de Urbanismo Tático na Tijuca, Rio de Janeiro

Figura 6
– Rua Completa João Alfredo,Porto Alegre

Paralelamente a esses espaços, projetos de infraestrutura de transporte estavam sendo implementados com participação limitada nas duas cidades. Projetos de urbanização de favelas e transformações urbanas e de transporte em preparação para receber megaeventos, como a Copa do Mundo da Fifa e Jogos Olímpicos, são alguns exemplos.

Os projetos decorrentes dos investimentos dos megaeventos têm sido amplamente criticados por serem alvo de remoções forçadas, investigações de corrupção, estouros orçamentários, privatizações de espaços públicos e expansão desigual da infraestrutura de transporte público (Vainer et al., 2018VAINER, C.; BIENENSTEIN, R.; TANAKA, G. M. M.; OLIVEIRA, F. L. de; LOBINO, C. (2018). O plano popular da Vila Autódromo, uma experiência de planejamento conflitual. In: XV ENANPUR. Anais, v. 15, n. 1, pp. 1-18. Disponível em: https://anais.anpur.org.br/index.php/anaisenanpur/article/view/168. Acesso em: 30 nov 2019.
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; Omena de Melo, 2020OMENA DE MELO, E. (2020). Just because of 20 cents? For a genealogy of the Brazilian demonstrations cup. International Journal of Urban Sustainable Development, v. 12, n. 1, pp. 103-119. DOI:10.1080/19463138.2019.1666853.
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; Verlinghieri e Venturini, 2017VERLINGHIERI, E.; VENTURINI, F. (2017). Exploring the right to mobility through the 2013 mobilizations in Rio de Janeiro. Journal of Transport Geography, v. 67, pp. 126-136. DOI:10.1016/j.jtrangeo.2017.09.008.
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). Este é o caso da Vila Tronco, uma das áreas com mais vulnerabilidade social de Porto Alegre, que desde 2012 enfrenta o alargamento da avenida Tronco, denominada atualmente avenida Moab Caldas ( Figura 7 ). Esse projeto de transporte “conflitual” (Vainer et al., 2018VAINER, C.; BIENENSTEIN, R.; TANAKA, G. M. M.; OLIVEIRA, F. L. de; LOBINO, C. (2018). O plano popular da Vila Autódromo, uma experiência de planejamento conflitual. In: XV ENANPUR. Anais, v. 15, n. 1, pp. 1-18. Disponível em: https://anais.anpur.org.br/index.php/anaisenanpur/article/view/168. Acesso em: 30 nov 2019.
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) busca melhorar as conexões no interior da cidade, mas o faz por meio de remoções e medidas de planejamento e habitação inadequados. Os espaços convidados abertos pelo poder municipal, como reuniões e negociações, mostram uma tentativa frustrada de moradores e lideranças comunitárias de mudar os rumos de um projeto do PAC Mobilidade que afeta negativamente a localidade, a “imobilidade” e o direito de permanecer (Ritterbusch, 2019RITTERBUSCH, A. E. (2019). "Exploring the mobilities of forced displacement and state violence against homeless citizens in Bogotá, Colombia". In: COOK, N.; BUTZ, D. (eds.). Mobilities, mobility justice and social justice. Abingdon, Routledge, pp. 173-187.).

Figura 7
– Um trecho da construção da avenida Moab Caldas

Diante da ineficiência dos espaços existentes de participação, surgiram outros que buscavam abrir espaços fechados para a participação, dialogar com as autoridades, enfrentá-las ou melhorar as mobilidades apesar do Estado. Essas ações e suas dinâmicas serão discutidas a seguir.

Espaços reivindicados com ou sem o apoio governamental

Para além dos espaços convidados, diversos espaços “reivindicados” e “inventados” foram identificados nesta pesquisa, mostrando-nos que os espaços liderados pela sociedade não têm definição e proposito único. Essas ações evidenciam o amplo campo da justiça de mobilidade e as limitações dos espaços convidados apresentados anteriormente. São exemplos: (1) os movimentos “contra o Estado”, que contestam o status quo , como o aumento da passagem de ônibus e as remoções geradas por infraestruturas de mobilidade; e (2) ações comunitárias que buscam melhorar condições da mobilidade, “com ou sem o Estado” (Souza, 2006SOUZA, M. L. de (2006). Together with the state, despite the state, against the state. Social movements as critical urban planning' agents. City, v. 10, n. 3, pp. 327-342. DOI:10.1080/13604810600982347.).

Dentro dos espaços “reivindicados” mais bem documentados na literatura, estão os movimentos sociais que defendem os direitos de mobilidade (e imobilidade). Um exemplo é o Movimento Passe Livre, que mobilizou uma série de protestos contra o aumento das tarifas do transporte público em mais de uma centena de cidades do Brasil (Movimento Passe Livre, 2013), como Rio de Janeiro e Porto Alegre. Além do descontentamento da população com as tarifas e condições do transporte, as manifestações contestavam a corrupção política e as violações dos direitos de mobilidade e moradia engendradas pelas obras preparatórias dos megaeventos, como a Copa do Mundo Fifa 2014 e os Jogos Olímpicos Rio 2016 (Omena de Melo, 2020OMENA DE MELO, E. (2020). Just because of 20 cents? For a genealogy of the Brazilian demonstrations cup. International Journal of Urban Sustainable Development, v. 12, n. 1, pp. 103-119. DOI:10.1080/19463138.2019.1666853.
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).

Isso foi evidenciado nas entrevistas e elicitações de fotos com os moradores da Vila Tronco que compartilharam inúmeras fotos e narrativas sobre as ações lideradas pela comunidade e por organizações locais. Observando o descompasso entre os cronogramas de construção da avenida Tronco, as remoções e a execução das unidades habitacionais, moradores da Vila Tronco e arredores, lideranças comunitárias e o Comitê Popular da Copa criaram a campanha “Chave por chave” em abril de 2012 (Mesomo e Domo, 2016MESOMO, J.; DOMO, A. S. (2016). "Remoção de populações em meio urbano: Princípios, tecnologias e a mediação dos impactos a partir de Porto Alegre" In: URIARTE, U. M.; MACIEL, M. E. (eds.). Patrimônio, cidades e memória social. Salvador, EDUFBA.), ver Figura 8 . Esses espaços “inventados” (Miraftab, 2009MIRAFTAB, F. (2009). Insurgent planning: situating radical planning in the Global South. Planning Theory, v. 8, n. 1, pp. 32-50. DOI:10.1177/1473095208099297.), muito emblemáticos entre os participantes da Vila Tronco, tornaram-se momentos oportunos para desafiar o status quo e reagir contra incertezas, demolições e vulnerabilidades causadas pelo projeto de mobilidade. Estas foram aprofundadas por meio de discussões internas, protestos e compartilhamento de fotos e vídeos nas redes sociais para denunciar as remoções em andamento e divulgar a violação de direitos (De Araújo, 2014DE ARAÚJO, G. O. (2014). Mobilizando direitos humanos: a denúncia pública do Comitê Popular da Copa de Porto Alegre e suas implicações. Interseções, v. 16, n. 2, pp. 354-378. DOI: 10.12957/irei.2014.16595.). Esse exemplo sinaliza o enfraquecimento dos espaços de participação que articulam com o aparato estatal, como indica a fala de Cristina.

Figura 8
Banner do movimento Chave por chave

Hoje? Não conseguimos acreditar. As pessoas não querem participar. Hoje não são ouvidas; hoje elas não têm o respeito de serem ouvidas. As pessoas desistiram; muitas pessoas são desencorajadas de estar nesses espaços. Eles não querem participar; eles só querem sobreviver. (Cristina, Vila Tronco)

Outras ações comunitárias, entretanto, não são tão bem documentadas. Dentre elas, estão (1) melhorias urbanas, (2) táticas de negociação e (3) conscientização sobre direitos e deveres que beneficiam a mobilidade em contextos de vulnerabilidade e marginalização. Estas foram identificadas através de entrevistas e elicitações de fotos com os moradores da Favela Santa Marta e Vila Tronco.

Em relação a melhorias urbanas, a pesquisa na Favela Santa Marta traz exemplos de ações do governo estadual e das comunidades locais. As entrevistas com moradores dessa favela no Rio de Janeiro e uma profissional do governo estadual demonstraram que os projetos de urbanização na localidade foram liderados pelos líderes comunitários que reivindicavam melhorias urbanas dos governos municipal e estadual por “meios pacíficos” (Vasconcellos, 2001VASCONCELLOS, E. A. (2001). Urban Transport, environment and equity: the case for developing countries. Londres, Routledge., p. 81). O projeto urbanístico implantado pelo governo do estado através da Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro em 2008 ( Figura 9 ), que incluiu em seu escopo infraestruturas de mobilidade – funicular (bondinho), rampas e melhorias em escadas –, foi viabilizado por um contexto econômico e político favorável mobilizado pelos interesses do Estado na preparação dos megaeventos. Esse projeto estava alinhado com as intenções do Estado, ao colocar a primeira Unidade de Polícia Pacificadora do Rio de Janeiro na localidade e promover a imagem de segurança associada às favelas. Para um líder comunitário da Favela Santa Marta, essa abertura foi motivada pelo interesse do governo do Estado em atrair os eleitores da localidade e transformá-la em uma “favela-modelo”. No entanto, essa abertura não significou que espaços de deliberação fossem possibilitados no desenvolvimento e execução do projeto, como revela a citação de um dos entrevistados :

Figura 9
– Bondinho da Favela Santa Marta

No caso do Santa Marta não, já receberam o projeto assim, o que seria feito, a comunidade recebeu praticamente pronto . ( Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro )

Apesar disso, este estudo mostrou que a mobilidade e a “dignidade” das pessoas na favela mais íngreme do Rio de Janeiro melhoraram de fato após a implementação do funicular e das escadas de concreto. No entanto, os moradores e líderes comunitários condenaram o distanciamento e o abandono do Estado em relação às questões urbanas nas favelas após o projeto de urbanização. Atualmente, problemas duradouros de acessibilidade e saneamento, episódios de violência e racismo e comportamento policial arbitrário dificultam o “direito de ir e vir” cotidiano dos moradores (como reforçado por Aquiles, em trecho de entrevista abaixo), obrigando-os a mobilizar estratégias individuais e coletivas e manobras rotineiras para superar esses desafios.

Em termos de mobilidade, atrapalha nesse quesito, porque, como a gente já sabe, todos esses estudos, a maioria da população da favela é negra [...] O negro se veste assim, tem essas características, eles têm que ser separados, têm que ser revistados para ver se têm alguma coisa ilegal. Então, quando você corre dentro de uma comunidade, é diferente de quando você corre fora dela, então eu posso correr na orla de Botafogo e Copacabana porque é normal. Agora, se eu correr dentro da favela, ou sou bandido ou... nunca vai passar pela cabeça de um policial que esse cara está atrasado para a universidade, mas está fugindo de alguma coisa, de alguém, na questão da operação policial em si. (Aquiles, Santa Marta)

Essas práticas são exemplificadas pelos espaços cotidianos de ativismo material e imaterial que são continuamente reinventados por meio de práticas de autoconstrução ( Figura 10 ), como as escadarias que foram construídas e continuam a ser mantidas pelos moradores, como evidenciado pela fala de Bianca, abaixo; negociações entre moradores e a polícia para conter operações policiais e a violência (ver Fernandes Barata, Jones e Brownill, 2023); redes de solidariedade entre moradores; e campanhas sociais e educativas desenvolvidas por moradores, líderes comunitários e associações locais.

Figura 10
– Escada mantida pelos moradores

Gostaria de mostrar, talvez, o que a comunidade contribuiu. Às vezes tem um idoso que mora aqui, e a escada dele precisa de corrimão, então as pessoas vão lá e colocam o corrimão para ajudar na mobilidade de certos idosos. Tem um buraco que está aberto há mil anos e, como a prefeitura não vai consertar, aí a gente se junta e conserta. No estacionamento, houve uma força-tarefa dos moradores que se reuniram, fizeram iniciativa de vaquinha e taparam os buracos. Porque a gente sabe que o serviço da prefeitura não chega aqui, então a gente tem que fazer as coisas por nós mesmos ”. (Bianca, Santa Marta)

Campanhas sociais e educativas, como “Eu quero o Santa Marta limpo”, buscam contribuir com a limpeza geral, saúde e dignidade na Favela Santa Marta. Outro exemplo é a “Colônia de férias”, organizada pelo Grupo Eco há mais de 35 anos, que promove atividades de lazer para as crianças fora da favela para lembrá-las do seu direito de estar em qualquer lugar da cidade.

Esta pesquisa também identificou ações educativas realizadas por associações comunitárias, na Vila Tronco, que buscam compartilhar táticas de sobrevivência na periferia, discutir direitos humanos e enfrentar problemas sociais estruturais que, de alguma forma, afetam a liberdade de movimento e o direito de existir dos moradores, como relatado por Augusto (abaixo). Em vez de participar de debates e decisões mais amplas sobre formas de melhorar a acessibilidade e a mobilidade, esses espaços de ativismo imaterial encontrados no Santa Marta e na Vila Tronco visam subverter estruturas sociais desiguais que poderiam impedir alguém de pertencer à sociedade, conhecer e reivindicar direitos e garantir a liberdade de movimento.

Participação social é o que eu vejo aqui, o que a instituição e outras organizações fazem. É uma orientação; é para o bem-estar da população em geral, das crianças e dos adolescentes da periferia. Crianças e adolescentes têm que fazer parte da sociedade . (Augusto, Vila Tronco)

Além disso, os resultados da pesquisa na Vila Tronco e na Favela Santa Marta demonstram que mais da metade dos moradores e lideranças comunitárias interpretaram a participação como uma forma significativa de atender a comunidade, preencher lacunas deixadas pelo Estado, atuar fora do planejamento oficial ou como Juju (Santa Marta) afirmou: “ participação social é o que fazemos todos os dias ”. Essa noção se opõe à visão compartilhada por membros do poder público e ONGs entrevistados neste estudo, mas se correlaciona com as definições e as abordagens contemporâneas de participação que também veem a participação como a atividade por meio da qual grupos menos poderosos contribuem para decisões e/ou desenvolvimentos que afetam sua vida (Thorpe, 2017THORPE, A. (2017). Rethinking participation, rethinking planning. Planning Theory & Practice, v. 18, n. 4, pp. 566-582. DOI:10.1080/14649357.2017.1371788.; Gaventa, 2005GAVENTA, J. (2005). Reflections on the 'Power Cube' approach for analysing the spaces, places and dynamics of civil society participation and engagement. CFP Evaluation Series 2003-2006. Netherlands, MFP Breed Netwerk.; Frediani e Cociña, 2019FREDIANI, A. A.; COCIÑA, C. (2019). Participation as planning: strategies from the South to challenge the limits of planning. Built Environment. People, Plans and Places 2: Realizing Participation, v. 45, n. 2, pp. 143-161. DOI:10.2148/benv.45.2.143.). Esses diferentes significados, como ilustra a citação de Monique (a seguir), evidenciam como a multivalência da participação é percebida em contextos de marginalização e também trazem à tona uma característica da participação pouco explorada na literatura sobre mobilidade.

A participação social consiste exatamente em ocupar todos os espaços possíveis. Acho que é se envolver, tornar os espaços seus e poder intervir e dialogar positivamente em todos os espaços . (Monique, Vila Tronco)

Esses espaços e significados de participação vão além do que a literatura sugere. A participação torna-se a própria prática do planejamento (Frediani e Cociña, 2019FREDIANI, A. A.; COCIÑA, C. (2019). Participation as planning: strategies from the South to challenge the limits of planning. Built Environment. People, Plans and Places 2: Realizing Participation, v. 45, n. 2, pp. 143-161. DOI:10.2148/benv.45.2.143.): o engajamento dos moradores buscando organizar e facilitar de forma autônoma a vida e as mobilidades das pessoas dentro do bairro. Enquanto alguns reivindicam a participação no planejamento, outros realizam a participação como uma forma de “praticar os direitos à vida digna de baixo” (Miraftab, 2020MIRAFTAB, F. (2020). Insurgency and juxtacity in the age of urban divides. Urban Forum, v. 31, pp. 433-441. DOI:10.1007/s12132-020-09401-9., p. 436) e respondem à inadequação do planejamento em reconhecer as injustiças de mobilidade. As perspectivas de participação como “o que os moradores fazem” são transportadas para os espaços de participação mobilizados por moradores e lideranças comunitárias na Vila Tronco e no Santa Marta. Além disso, essas noções denunciam as exclusões, as injustiças epistêmicas e a incapacidade das populações marginalizadas de acessar espaços mais “formais” de participação e com eles contribuir.

Conclusão

Os espaços de participação apresentados e discutidos neste artigo não formam uma lista extensiva de práticas participativas, mas demonstram o valor de uma abordagem ampla da participação social na busca por justiça da mobilidade. A pesquisa revelou a dinâmica fluida dos espaços de participação fechados, convidados e reivindicados, os significados diversos de participação e disjunções entre alguns espaços e as lutas de mobilidade em territórios marginalizados.

Os resultados sustentam a visão de que alguns espaços de participação no planejamento “nem sempre são inclusivos, justos e distributivos” (Frediani e Cociña, 2019FREDIANI, A. A.; COCIÑA, C. (2019). Participation as planning: strategies from the South to challenge the limits of planning. Built Environment. People, Plans and Places 2: Realizing Participation, v. 45, n. 2, pp. 143-161. DOI:10.2148/benv.45.2.143., p. 158). Muitos ainda permanecem como meros mecanismos de consulta e legitimação dos interesses dos governos que dificultam o engajamento com grupos marginalizados e suas questões de mobilidade. Paralelamente, fora do âmbito do planejamento oficial, há populações, lutas de mobilidade e espaços de participação constantemente inventados e mobilizados pela “lógica da sobrevivência” (Watson, 2009WATSON, V. (2009). Seeing from the south: refocusing urban planning on the globe's central urban issues. Urban Studies, v. 46, n. 11, pp. 2259-2275.) que desafiam a própria noção de participação.

As estratégias, as formas de ativismo e as táticas cotidianas exploradas neste estudo contribuem para o entendimento de que a participação com o Estado “é apenas uma parte da história” (Sandercock, 1998SANDERCOCK, L. (1998). Towards cosmopolis. Chinchester, John Wiley., p. 54). Há uma série de esforços participativos que busca contestar, moldar, reformular e abordar vários aspectos da justiça da mobilidade, particularmente em contextos de marginalização. Esta pesquisa espera inspirar pesquisadores, formuladores de políticas, profissionais do governo e ativistas de mobilidade a levarem em consideração os esforços participativos e as injustiças de mobilidade em territórios marginalizados.

Nota de agradecimento

Gostaria de agradecer a Global Challenges Research Studentship por financiar esta pesquisa na School of the Built Environment, Oxford Brookes University, e a todos os participantes que dedicaram seu tempo a este estudo. Agradeço, também, aos professores Tim Jones e Sue Brownill, o apoio e as discussões esclarecedoras durante o processo de pesquisa. Por fim, também sou grata aos(as) revisores(as) pelas valiosas sugestões.

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Nota

  • 1
    Algumas das fotos tiradas por participantes (cujas identidades foram protegidas através do uso de pseudônimos) são apresentadas neste artigo, como as Figuras 3, 4, 9 e 10.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2024

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2023
  • Aceito
    19 Out 2023
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