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Temporalização no Supremo Tribunal Federal: ADPF 153, Lei da Anistia e usos performativos da História

Politics of Time in the Brazilian Supreme Court: ADPF 153, Amnesty Law and performative uses of History

Resumo

Este artigo visa abordar a relação entre história e justiça a partir do debate recente sobre a Lei da Anistia de 1979 na ocasião da Arguição de Preceito Fundamental 153 ajuizada pelo Supremo Tribunal Federal em 2010. Levando em consideração o contexto da justiça de transição e das mudanças na disciplina histórica na segunda metade do século XX, particularmente o fortalecimento das discussões sobre o tempo na história, o trabalho faz uma análise das práticas de temporalização utilizadas pelos ministros da corte. Ao observar as diversas construções temporais que surgem a partir da utilização da história e das ferramentas de historicização, se observa que os ministros situam a anistia encerrada no passado e viva no presente, ​ ao mesmo tempo, para justificar a impossibilidade de reinterpretar a lei. Ao fim, o trabalho traz reflexões sobre os desafios do fazer histórico em contextos onde a argumentação histórica e a temporalização são ferramentas operacionalizadas por outros atores políticos.

Palavras-chave:
Tempo histórico; Teoria da história; Usos da história

Abstract

This article approaches the relationship between history and justice using as a starting point the recent debate about the 1979 Amnesty Law at the Brazilian Supreme Court - at the occasion of judgment of the Arguição de Preceito Fundamental 153 in 2010. Considering the context of transitional justice and the changes in the historical discipline in the second half of the 20th century, particularly the discussions about time in history, the paper analyzes how the supreme justices manage the ‘politics of time’ in their votes. By observing the various temporal constructions that arise from the use of historical arguments, the article concludes that the supreme justices place the amnesty in the past and in the present, at the same time, to justify the impossibility of reinterpreting the law. The paper reflects upon the challenges of ‘making history’ in contexts where historical arguments and forms of historicization are operated by other political actors.

Keywords:
Historical time; Theory of history; Uses of history

A partir das experiências sociais do século XX vimos surgir, com os tribunais internacionais e comissões da verdade, novas formas de tentar reger o passado. Se até o século passado as alternativas disponíveis para aqueles no poder eram a vingança ou a clemência, as guerras mundiais, o holocausto, os genocídios e a criação do conceito de “crimes contra a humanidade”, trouxeram consigo uma nova forma de lidar com o passado: a via da justiça. Em suas diversas formas, essa via trouxe a ideia de que é possível sancionar as injustiças do passado pelo reconhecimento público dos crimes praticados, muitas vezes por meios legais, e centrou o debate em torno das ideias de memória, verdade, justiça e reparação. Esta nova modalidade de tentar governar o passado também gerou consequências epistemológicas, metodológicas e historiográficas, adicionando novos elementos para a discussão atual sobre filosofia da história.

Nesse contexto, observamos algumas mudanças significativas nas implicações do fazer história contemporânea. Henry Rousso ( 2013ROUSSO, Henry. The Last Catastrophe: The Writing of Contemporary History. Cadernos do Tempo Presente , [ S.I.], , n. 11, 2014. Disponível em: https://periodicos.ufs.br/tempo/article/view/2755 . Acesso em: 20 ago. 2023.
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, p. 10), definindo a história contemporânea, sugere que uma de suas características é ter a lei e a justiça como produtores centrais de memórias e narrativas sobre o passado recente. Relacionado a isso, surge a importância da esfera pública para o historiador e os novos papéis disponíveis aos acadêmicos da disciplina: participantes de comissões oficiais, tais como as comissões da verdade, peritos legais, etc. Desta forma, o contexto de “justiça de transição” - cujas origens remontam aos tribunais pós guerras mundiais mas cujo corpus de discussões e práticas ganharam densidade a partir do fim das ditaduras militares na América Latina, da queda da União Soviética e das transições no Leste Europeu e das mudanças políticas na África na virada do século - trouxe novas implicações para a já complexa relação entre história e justiça.

É a partir do contexto da chamada justiça de transição e das mudanças na disciplina histórica na segunda metade do século XX, particularmente o fortalecimento das discussões sobre o tempo, que este artigo visa abordar a relação entre história e justiça. A discussão recente sobre a Lei da Anistia de 1979, especificamente na ocasião da Arguição de Preceito Fundamental (ADPF) 153 ajuizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2010, será a janela pela qual irei investigar esse amplo tema.

O objetivo do trabalho é utilizar os votos dos ministros do STF neste caso para examinar e discutir a utilização da história, com ênfase para as diversas construções temporais que surgem desta atividade. O tempo, matéria do historiador por excelência, está no cerne do argumento daqueles que defendem a manutenção da interpretação vigente da Lei da Anistia. Diante da reversibilidade ​do tempo jurídico - ou da possibilidade de reinterpretar a Lei da Anistia de 1979 para possibilitar a responsabilização penal de torturadores em 2010 - a maioria dos ministros mobilizam a argumentação histórica para reforçar a irreversibilidade do tempo histórico. Além disso, aqueles que acompanharam o relator no mérito da ação empregam a história e as ferramentas de historicização de maneiras distintas e aparentemente contraditórias, mas para atingir o mesmo objetivo: a lei de anistia aparece encerrada no passado e viva no presente, ​ ao mesmo tempo, para justificar a impossibilidade de reinterpretá-la.

O trabalho está dividido em três partes. A primeira apresenta a ADPF 153 em seu contexto, oferecendo um breve panorama das políticas de memória, verdade e justiça no Brasil. A segunda parte analisa os usos da história e das práticas de historicização por parte dos ministros, observando as consequências desses usos. A terceira elabora considerações sobre as repercussões das práticas de historicização tanto na realidade político-social quanto no trabalho do historiador. Considero que essas práticas e os processos de justiça de transição no qual estão inseridos resultam em produção de significado histórico e portanto constroem novas formas de se relacionar com o passado. Com isto, também oferecem implicações epistemológicas para o saber histórico.

A ADPF 153 em contexto

Entre os dias 28 e 29 de abril de 2010 o Supremo Tribunal Federal julgou a ADPF 153, cujo objeto era a Lei n. 6.683, a Lei da Anistia, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo General João Figueiredo em 28 de agosto de 1979. Uma arguição de preceito fundamental é um instrumento de controle concentrado de constitucionalidade previsto no direito constitucional brasileiro, cuja finalidade é evitar ou reparar uma lesão aos preceitos fundamentais da Constituição de 1988. A ação havia sido proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em 21 de outubro de 2008, que argumentava que a interpretação vigente da Lei n. 6.683, pela qual agentes públicos foram anistiados por crimes de homicídio, desaparecimento forçado, tortura, estupro e outros, viola preceitos fundamentais da constituição. Em sua petição inicial, a OAB solicita:

[...] uma interpretação conforme a Constituição, de modo a declarar, à luz dos seus preceitos fundamentais, que a anistia concedida pela citada lei aos crimes políticos ou conexos não se estende aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra opositores políticos, durante o regime militar ( ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, 2008ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Petição inicial de proposta de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. ADPF n. 153. Brasília/DF: 21 de outubro de 2008. Disponível em: https://bit.ly/3S5Ygn7 . Acesso em: 11 out. 2022.
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, p. 29)

O relator da ação no tribunal foi o ministro Eros Grau, que julgou a ação improcedente, confirmando assim a interpretação vigente da Lei da Anistia. O voto do relator venceu por maioria, com apenas dois votos divergentes. Desta forma, mais de 30 anos depois da promulgação da lei e mais de 20 anos após o fim da ditadura militar no Brasil, o STF confirmou a validade e a constitucionalidade da anistia a torturadores e agentes do aparelho estatal.

Fundamental para a proposição desta arguição foi a atuação da Comissão da Anistia sob a gestão de Paulo Abrão que, desde 2007, vinha empreendendo uma série de iniciativas no sentido de lograr uma ressignificação institucional e política da ideia de anistia no Brasil, voltada não exclusivamente à reparação, mas também à memória ( ABRÃO; TORELLY, 2012ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. Mutações no conceito da anistia na justiça de transição brasileira: a terceira fase de luta pela anistia. ​Revista de Direito Brasileira​, Florianópolis, v. 3, n. 2, p. 357-379, 2012. Disponível em: https://bit.ly/45s0VhU . Acesso em: 20 ago. 2023.
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). Além da Comissão da Anistia, outra comissão estava em vias de ser criada quando do julgamento da ADPF 153: em janeiro de 2010 foi instituído um grupo de trabalho para elaborar um projeto de lei para criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), seguindo o III Plano Nacional de Direitos Humanos. A CNV foi criada em novembro de 2011 e instituída em maio de 2012 pela presidente Dilma Rousseff. Na ocasião da ADPF 153, apesar de ainda não haver uma comissão deste tipo, já havia a intenção pública e declarada do Governo Federal de criá-la. Também em 2010 foi lançado o projeto Memórias Reveladas do Arquivo Nacional, abrindo o acesso a certos arquivos da ditadura até então sigilosos.

Além dos crescentes debates nacionais sobre os temas de memória e verdade, outro evento importante na conjuntura da ADPF foi o julgamento do caso ​ Gomes Lund vs. Brasil ​na Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão da Organização dos Estados Americanos. O caso estava tramitando na Comissão Interamericana de Direitos Humanos desde 1995, mas foi apenas em março de 2009 que ele foi submetido à Corte. Apesar das audiências terem ocorrido em maio de 2010, logo após o julgamento da ADPF 153 (em abril do mesmo ano), quando os ministros emitiram seus votos, o fizeram na expectativa de uma iminente sentença da Corte que provavelmente diria respeito à Lei da Anistia.

Todos esses fatos compõem um cenário que se convencionou chamar de processo de justiça de transição no Brasil. A avaliação da ADPF 153 foi um momento emblemático deste processo, tendo ocorrido em um contexto em que os direitos humanos, especialmente aqueles relacionados à memória, verdade e justiça referentes ao período da ditadura, ganhavam fôlego no debate nacional.

No caso particular da ADPF 153, o fato dela representar uma ação judicial a distingue de outros momentos do processo de justiça de transição no Brasil e nos oferece a possibilidade de refletir sobre a relação entre história, direito e justiça. Porém, antes de adentrar nesta análise é importante ressaltar que a ADPF 153 não é um julgamento no sentido clássico: não há réu, não existem vítimas nem testemunhas chamadas a depor; o seu objeto é a interpretação da norma legal e quem está sendo julgado, em alguma medida, é o Estado. Não é um julgamento penal, como tantos outros no âmbito da justiça de transição. Isso a torna muito diferente de outras ações analisadas pelo prisma da relação entre história e justiça. Os ministros do STF no caso da ADPF não estavam julgando - ao menos não explicitamente - eventos históricos e seus protagonistas. Tampouco foi um tribunal onde o historiador foi chamado a participar como perito, como tantos outros. Assim, a análise da ADPF 153 talvez nos permita um outro​ olhar sobre a relação entre história e justiça; um olhar cuja atenção recaia sobre os usos do tempo histórico e suas consequências políticas.

Os ministros do STF e as ‘políticas temporais’

Neste artigo, investigo de que formas os ministros do STF se utilizam da história em seus votos sobre a Lei da Anistia. Inspirada por leituras de Reinhart Koselleck (2006KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução de Wilma Patrícia Maas; Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC-Rio, 2006.) e Berber Bevernage (2012BEVERNAGE, Berber. History, Memory, and State-sponsored Violence: time and justice​. Nova Iorque: Routledge, 2012., 2014BEVERNAGE, Berber. Transitional Justice and Historiography: Challenges, Dilemmas and Possibilities. ​Macquarie Law Journal​, Sydney, v. 13, p. 7-24, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3OK9lKB . Acesso em: 20 ago. 2023.
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), dentre outros, me interesso principalmente pela dimensão temporal da construção histórica. Como os ministros utilizam a história para articular passado, presente e futuro em seus votos? E quais as consequências disso na construção do voto vencedor? Em segundo lugar, também me interessa como os ministros aplicam os procedimentos do fazer histórico; principalmente, como eles periodizam e como colocam determinados objetos no passado ou no presente.

No livro History,Memory, and State-Sponsored Violence​, publicado em 2012, o filósofo e historiador Berber Bevernage traz novas contribuições para os debates sobre memória, trauma e justiça. Nele, o autor questiona: “O que significa algo ou alguém ser ‘do passado’ e como coisas, pessoas ou eventos se tornam passado?” ( BEVERNAGE, 2012BEVERNAGE, Berber. History, Memory, and State-sponsored Violence: time and justice​. Nova Iorque: Routledge, 2012., p. 5, tradução nossa). O autor aponta para uma característica da história com alto potencial político: sua capacidade de regular a distância temporal, de determinar o que é passado. Ele nos lembra que a distância entre passado e presente não é um dado natural e sim uma construção histórica, para então definir o conceito de performatividade​ ​da história:

esse entendimento - de que o distanciamento entre passado e presente não resulta simplesmente da passagem do tempo, mas é alguma coisa que deve ser ativamente buscada - sustenta uma das proposições centrais deste trabalho. Ao invés de ser um quadro analítico neutro, argumento que a história pode ser ​ performativa​. Com isso eu quero dizer que a linguagem histórica é utilizada não somente para descrever a realidade (o chamado uso ‘constatativo’ da linguagem) como também pode produzir efeitos sócio-políticos substanciais e que, em certa medida, pode tornar realidade situações que ela meramente pretende descrever (o chamado uso ‘performativo’ da linguagem). ( BEVERNAGE, 2012BEVERNAGE, Berber. History, Memory, and State-sponsored Violence: time and justice​. Nova Iorque: Routledge, 2012., p.15, tradução nossa, grifo do autor).

Esta é a ideia norteadora desta pesquisa. A operação de historicizar, em si, é performativa e traz consigo consequências. Determinar o que é passado e o que é presente, definir o que está na história ou não, tudo isso pode ser operacionalizado para atingir certos objetivos e produzir significados distintos. No caso em questão, o uso da história pode tanto conter a anistia no passado quanto reafirmar sua importância no presente, ao mesmo tempo e com objetivos similares, como veremos a seguir.

Em artigo de 2014 intitulado Transitionaljustice and historiography: challenges, dilemmas and possibilities​, Bevernage passa a usar o termo ‘ historicization​’ para designar o ato de colocar qualquer coisa no passado, o dotando de caráter histórico. Para o autor, uma das características do processo de justiça de transição é a determinação simbólica do que é passado, ou a regulação da distância temporal ( BEVERNAGE, 2012BEVERNAGE, Berber. History, Memory, and State-sponsored Violence: time and justice​. Nova Iorque: Routledge, 2012., p. 8). A tarefa da “historicização” é uma tarefa do historiador profissional, mas, analisando os contextos pós conflitos, Bevernage (2014BEVERNAGE, Berber. Transitional Justice and Historiography: Challenges, Dilemmas and Possibilities. ​Macquarie Law Journal​, Sydney, v. 13, p. 7-24, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3OK9lKB . Acesso em: 20 ago. 2023.
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, p. 8) aponta que as diversas instituições envolvidas na justiça de transição também fazem parte do que ele chama de ‘ politicsof time’ (políticas temporais). No caso das Comissões da Verdade, ele argumenta que: “[...] essas comissões não deveriam ser consideradas mecanismos que meramente refletem sobre o passado retrospectivamente, mas sim que ativamente constituem e regulam as categorias de passado e presente” ( BEVERNAGE, 2014BEVERNAGE, Berber. Transitional Justice and Historiography: Challenges, Dilemmas and Possibilities. ​Macquarie Law Journal​, Sydney, v. 13, p. 7-24, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3OK9lKB . Acesso em: 20 ago. 2023.
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, p. 18, tradução nossa). Ou seja, o poder de historicizar não constitui uma prerrogativa exclusiva dos historiadores, como fica claro no voto da ADPF 153.

Isso não significa afirmar que outros atores que se utilizam da história e de suas ferramentas estejam produzindo história​, entendida como disciplina acadêmica. Significa que eles, ao usarem a história, convocam, mobilizam ou reconstroem memórias sobre o passado, exprimindo tendências da sociedade em que vivem. Além disso, levando em consideração o conceito de ​ performatividade​, essa utilização do argumento histórico e das ferramentas de historicização podem sim produzir novos ​ significados históricos​, trazendo consigo consequências para as relações entre passado e presente.

No caso da ADPF, podemos observar que ao produzirem um voto jurídico, no âmbito de um processo judicial, os ministros também estão exercitando políticas temporais. Assim, suas ações também determinam as relações entre a experiência vivida na transição da ditadura para a democracia, o presente democrático e as possibilidades do futuro político-social brasileiro, mesmo que essa não seja a intenção principal dos magistrados.

Os usos da história no tribunal

A história é uma personagem central na votação da ADPF 153. Os votos dos ministros do STF na ADPF 153 estão repletos de referências históricas e à história. Na maioria dos casos o papel da história na interpretação jurídica não é um tema discutido abertamente pelos ministros, mas, mesmo assim, a análise histórica dos fatos ganha centralidade em vários dos votos, principalmente o do ministro relator Eros Grau. Em alguns casos, a utilização do elemento histórico na interpretação da lei muitas vezes é justificada por motivos jurídicos; não é defendida, por si só, como um método hermenêutico. Um bom exemplo é a discussão sobre as leis-medida que protagoniza o voto do relator. Para Grau:

pois o que se impõe deixarmos bem vincado é a inarredável necessidade de, no caso de lei-medida, interpretar-se, em conjunto com o seu texto, a realidade no e do momento histórico no qual ela foi editada, não a realidade atual ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 31).

Ou seja, ao definir a Lei da Anistia como ​ lei-medida​, Eros Grau justifica a necessidade de interpretá-la à luz do contexto de sua criação, à luz do contexto da abertura ‘lenta, gradual e segura’. Nas suas palavras:

é a realidade histórico-social da migração da ditadura para a democracia política, da transição conciliada de 1979 que há de ser ponderada para que possamos discernir o significado da expressão ​ crimes conexos ​na Lei n. 6.683 ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 33).

Não nos interessa aqui o argumento jurídico sobre se a anistia é de fato uma lei-medida, mas sim como este argumento mobiliza a história e a temporalização como elementos centrais da interpretação da lei. A discussão normativa sobre as leis-medida é uma das ferramentas utilizadas para situar a anistia dentro de uma temporalidade específica: o passado. Por sua vez, este caráter temporal será utilizado para defender a não-reinterpretação da lei.

A ministra Cármen Lúcia também se apoia na interpretação histórica, sem menção às leis-medida. Ao longo do voto da ministra fica sempre claro que a interpretação histórica é uma opção, dentre outras, e que esta opção traz consigo certas consequências:

o que se põe em causa, contudo, repita-se ainda uma vez, é se a interpretação da lei há de relevar o momento histórico em que ela, especificamente, foi criada e as finalidades - ainda que dramáticas para os cidadãos - por ela buscadas, para se dar um novo passo na caminhada rumo à retomada do Estado de Direito ou se, contrariamente, o presente não tem compromisso com este triste passado, porque até mesmo as instituições repensam e podem se contrapor ao quanto antes por elas mesmo decidido e publicamente exposto e comprometido ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 95).

Nesse trecho do voto, o uso da conjunção “ou” deixa evidente que há dois caminhos possíveis: relevar o momento histórico da lei (olhar para o passado) ou repensar o significado da lei e potencialmente se contrapor a este passado. A segunda opção marca a existência da possibilidade de uma nova compreensão da anistia, trata-se de uma escolha por um modo de interpretação legal. Porém, postas as duas opções, Cármen Lúcia opta por interpretar a norma de 1979 à luz de sua história. “Não há como julgar o passado com os olhos apenas de hoje, desconhecendo o que se fez, se ajustou e se comprometeu, produzindo efeitos alguns dos quais exauridos no tempo,” diz a ministra logo adiante ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 96).

O voto do ministro Ayres Britto, que votou contra o relator e por uma reinterpretação da anistia, surge como um contraponto a esta argumentação. Britto diz que o relator “atentou bem mais para os precedentes da lei do que para a lei em si” ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 136), e segue:

mas eu entendo que, no caso, as tratativas ou precedentes devem ser considerados secundariamente, porque o chamado “método histórico de interpretação”, em rigor, não é um método. É um paramétodo de interpretação jurídica, porque a ele só se deve recorrer quando subsiste alguma dúvida de intelecção quanto à vontade normativa do texto interpretado. Vontade normativa não revelada pelos quatro métodos tradicionais a que o operador jurídico recorre: o modo literal, o lógico, o teleológico e o sistemático. Ou seja, o método histórico não é para afastar ​ a priori qualquer dúvida; não é para antecipadamente afastar dúvida de interpretação. É para tirar dúvida por acaso remanescente da aplicação dos outros métodos de interpretação. E, nesse caso da Lei da Anistia, eu não tenho nenhuma dúvida de que os crimes hediondos e equiparados não foram incluídos no chamado relato ou núcleo deôntico da lei ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 137, grifo do autor).

Aqui temos uma posição radicalmente distinta da do relator. Para Ayres Britto, “o que interessa é a vontade objetiva da lei, não é a vontade subjetiva do legislador” ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 140). Isso não significa que o ministro não recorra à história na sua argumentação. Pelo contrário, ele discorre sobre a natureza da tortura e os seus contornos durante a ditadura militar. Porém, diferente de seus pares, ao mobilizar a história, Britto não temporaliza a Lei da Anistia de forma a justificar a não possibilidade de reinterpretação.

Como a argumentação histórica é abundante ao longo dos votos, em alguns momentos essas decisões fazem ressonância com debates historiográficos e embates públicos sobre a história da ditadura militar. Um desses debates é a ideia de um acordo em torno da promulgação da Lei da Anistia, um “pacto” pela anistia. Esse suposto pacto é exaltado e enaltecido pelo relator, que considera a luta pela anistia “a página mais vibrante de resistência e atividade democrática da nossa História” ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 22). A ministra Cármen Lúcia também discorreu sobre os movimentos pela anistia, que ela enxerga como tendo tido alta participação popular. No seu voto, ela afirma que a lei resultou de pressão social, tendo sido objeto de amplo debate. Para a ministra Ellen Gracie, houve uma “verdadeira concertação” que permitiu a abertura. Cezar Peluso também cita a existência de um acordo, costurado por quem tinha legitimidade à época de celebrar um pacto nacional. E, para Gilmar Mendes, a anistia representa o resultado de um compromisso constitucional. Dos que votaram contra o relator, o ministro Lewandowski rejeita a existência de um acordo e afirma que a anistia foi concedida pelos militares, de forma controlada, em reação à pressão popular e à desestabilização da ditadura.

Outro tema muito debatido ao longo da ADPF 153 é o sentido dos “crimes conexos” expresso na lei. A interpretação vigente da lei, aquela confirmada pelo STF, é de que os “crimes conexos” descritos no § 1º do Art. 1º incluem os crimes praticados pelos agentes militares. Essa interpretação da conexão criminal é o que confere o caráter “bilateral” à anistia brasileira. Para alguns dos ministros, essa relação na lei entre os crimes de civis opositores da ditadura militar e os crimes dos agentes estatais seria justificada por refletir uma realidade onde os dois lados lutavam em posições equivalentes. Essa ideia ecoa o que se convencionou chamar, na historiografia, de “teoria dos dois demônios”.

Os ministros Cezar Peluso e Gilmar Mendes foram bastante precisos e explícitos quanto às suas visões sobre a suposta guerra vivida durante a ditadura militar. Do voto de ambos surge uma ideia de enfrentamento mútuo onde as Forças Armadas e os militantes de esquerda representam dois lados equivalentes. Para Mendes: “A anistia ampla e geral, insculpida na lei 6.683/1979, é abrangente o bastante para abarcar todas as posições político-ideológicas existentes na contraposição amigo/inimigo estabelecidas no regime político precedente [...]” ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 243). Ao longo de sua argumentação, a ênfase vai deslizando dos crimes praticados pelos agentes estatais para os crimes praticados pelos militantes da esquerda e o ministro constrói uma falsa equivalência entre querer a justiça para crimes de Estado e justificar os crimes cometidos por grupos civis armados.

Mesmo o relator do processo, ministro Eros Grau, que em seu voto reprime duramente as ações militares e louva com grandiloquência a oposição civil ao regime, emite uma opinião que também equipara os “dois lados” em suas considerações finais: “É necessário dizer, por fim, vigorosa e reiteradamente, que a decisão pela improcedência da presente ação não exclui o repúdio a todas as modalidades de tortura, de ontem e de hoje, civis e militares, policiais ou delinquentes” ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 45).

Esses exemplos demonstram como, ao utilizar argumentos históricos, os ministros estavam mobilizando narrativas que ressoam nos debates mais amplos sobre a memória da ditadura. Porém, é importante destacar a total ausência de referências a historiadores ou a obras de história nos votos. A história é mobilizada, inclusive enquanto ferramenta de interpretação jurídica, sem uma mobilização de trabalhos, reflexões ou metodologias da disciplina histórica.

Esse fato reflete um contexto mais amplo, onde é possível notar a pouca participação de historiadores nos processos de justiça de transição no Brasil, especialmente se comparado à participação de historiadores em processos de justiça no pós-guerra na Europa. Nenhum dos oito conselheiros que compuseram a CNV ao longo de sua existência tinham formação em história. Apesar da participação de historiadores enquanto assessores, pesquisadores e consultores do relatório, é interessante observar a predominância da formação em Direito - acadêmicos, advogados, procuradores, juristas, magistrados - entre os conselheiros (seis dos oito).

A anistia de ontem e a anistia de hoje: temporalidades em construção

A partir de uma análise detalhada dos votos é possível observar duas temporalidades em torno da anistia, que, apesar de contraditórias, convivem nos votos: a lei de anistia está tanto encerrada no passado quanto viva no presente, ao​ mesmo tempo. Essas distintas temporalidades são traduzidas em duas concepções da anistia, a anistia​ possível ​e a anistia​ fundamental​.

A anistia​ possível é a anistia de 1979, uma anistia que, no momento histórico de sua criação, não era dada, não tinha um caráter inevitável. Pelo contrário, ela foi conquistada a partir de demandas da sociedade civil e articulações políticas. Na concepção dos ministros, a anistia possível​ não foi a anistia que se queria, na medida em que houve um acordo inevitável na negociação política que incluiu a anistia aos torturadores e excluiu a anistia aos crimes de sangue. Esta ideia ​é reforçada pelo uso de citações dos atores que participaram do contexto de sua aprovação, particularmente do jurista e opositor à ditadura militar, Dalmo Dallari, e do ex-ministro do STF e Conselheiro da OAB em 1979, Sepúlveda Pertence. Eros Grau cita Dallari em 2006, relembrando 1979:

nós sabíamos que seria inevitável aceitar limitações e admitir que criminosos participantes do governo ou protegidos por ele escapassem da punição que mereciam por justiça, mas considerávamos conveniente aceitar essa distorção [...] (DALLARI, 2006 ​apudBRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 22).

As palavras de Sepúlveda Pertence, poderosas por terem sido escritas em agosto de 1979, no calor do debate sobre a lei, reafirmam o sentimento de que houve uma negociação explícita e pública, que exigiu concessões:

nem a repulsa que nos merece a tortura impede reconhecer que toda a amplitude que for emprestada ao esquecimento penal desse período negro da nossa História poderá contribuir para o desarmamento geral, desejável como passo adiante no caminho da democracia. (PERTENCE, 1979 apud BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 35).

Grau ainda utiliza outra citação de Pertence sobre o assunto, desta vez de uma entrevista de 2010, onde o ex-ministro afirma que o alcance da anistia aos torturadores era o “significado inequívoco do dispositivo” (PERTENCE, 2010 apud BRASIL, 2010, p. 36). A ministra Cármen Lúcia, também em referência ao parecer de Sepúlveda Pertence, faz a seguinte observação:

faça-se justiça a este grande brasileiro: os pecados do projeto por ele analisado - para se usar um vocábulo por ele aproveitado - são deixados patentes em seu parecer, a realçar que a anistia proporcionada não era irrestrita. Bem ao contrário, restringiu-se, pelo que sequer era o que aquela entidade, menos ainda a sociedade brasileira, gostaria de ter obtido ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 82).

A construção da ideia de uma anistia​ possível é também a afirmação de que ela não era a ideal. Em outro trecho de seu voto, Cármen Lúcia ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
https://bit.ly/3RZ8AgE...
, p. 94) afirma que “não era com gosto de festa que se recebia o projeto; era com críticas ácidas” mas com a responsabilidade de “aplainar o caminho para o advento do Estado de Direito”. Em seguida, a ministra diz que essa não foi a primeira anistia decretada em fins de períodos ditatoriais no Brasil,

nem foi a mais justa ou ampla, geral ou irrestrita como pretendiam os brasileiros a anistia concedida. Foi a que conciliou para não se deixar de avançar e que, na época, frutificou com consequências graves, porque, tecnicamente, não se teria a conexão de crimes, efetivamente, como pretendido pela Arguente e pelos ​ amici curiae​ ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 94).

Neste trecho, podemos observar que a ministra admite a não conexão dos crimes perpetrados pelos agentes do Estado e, portanto, admite a tese da OAB em sua petição inicial. Porém, isso não a leva a votar pela procedência da ação. A ministra não está analisando a Lei da Anistia exclusivamente pelos seus aspectos jurídicos, mas sim, e principalmente, pela sua importância histórica. É a análise histórica que a previne de reinterpretar a lei, especialmente uma análise das “finalidades buscadas” pela anistia no momento de sua concepção.

O foco nas finalidades da lei é o centro da ideia de anistia fundamental, uma anistia cuja duração é mais longa do que a anistia possível - presa ao contexto histórico de 1979 - e cujos efeitos se sente no presente. Esta anistia é fundamental​ no sentido de que é considerada peça-chave no processo de abertura política e essencial para o reestabelecimento da democracia. Ela está intimamente ligada à ideia de um “acordo” em torno da construção da lei, acordo este que ainda persiste no presente. O ministro Eros Grau escreve:

a Arguente questiona, na inicial, a existência de um acordo para permitir a transição do regime militar ao Estado de Direito. “[Q]uem foram as partes nesse acordo?” - indaga.

Não há porém dúvida alguma quanto a tanto. Leio entre aspas o que diz o ex-Ministro da Justiça, Tarso Genro: “Houve, sim, um acordo político feito pela classe política”. E mais diz ele, diz que esse acordo, como outros não impõe cláusulas pétreas. Que o seja, mas é certo que ao Poder Judiciário não incumbe revê-lo. Dado que esse acordo resultou em um texto de lei, quem poderia revê-lo seria exclusivamente o Poder Legislativo ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
https://bit.ly/3RZ8AgE...
, p. 39).

Lei e acordo se confundem na fala do relator, mas rever a lei parece estar intimamente ligado com o acordo. Se a revisão da lei, no tempo presente, está conectada à revisão do acordo, então por conseguinte tal acordo ainda está vigente, junto com a lei. O acordo persiste, ele não se encerra em 1979. O acordo, na visão de Grau, teve como consequência uma transição pacífica e conciliada, além de ter permitido a redemocratização do país, como exemplificado a seguir. Para Grau ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
https://bit.ly/3RZ8AgE...
, p. 22), a promulgação da lei da anistia é considerada “o marco do fim do regime de exceção”: “Sem ela, não teria sido aberta a porta do Colégio Eleitoral para a eleição do ‘Dr. Tancredo’, como diziam os que pisavam o chão da História”, segue o ministro.

A anistia fundamental é compreendida como resultado desse acordo e vista como fundacional para a democracia. Neste sentido, ela continua existindo como pré-condição para a convivência pacífica da sociedade brasileira. Essa ideia aparece nitidamente no encerramento do voto de Gilmar Mendes, quando ele discute a Emenda Constitucional (EC) n. 26 de 1985 que, ao convocar a Assembleia Nacional Constituinte, reafirma a anistia em seu Art. 4o. Para o ministro:

devemos refletir, então, sobre a própria legitimidade constitucional de qualquer ato tendente a revisar ou restringir a anistia incorporada à EC no 26/85. Parece certo que estamos, dessa forma, diante de uma hipótese na qual estão em jogo os próprios fundamentos de nossa ordem constitucional.

Enfim, a EC no 26/85 incorporou a anistia como um dos fundamentos da nova ordem constitucional que se construía à época, fato que torna praticamente impensável qualquer modificação de seus contornos originais que não repercuta nas próprias bases de nossa Constituição e, portanto, de toda a vida político institucional pós-1988 ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 264).

A ênfase nos objetivos da anistia em 1979 (a ‘reconciliação’ e ‘pacificação’ nacional, a redemocratização e o estabelecimento de um Estado de Direito) é necessária pois justifica a relevância continuada da anistia no presente. O fato da lei ter atingido a sua finalidade de ‘pacificação’ e ‘reconciliação’ é o que a torna fundamental. Este aspecto da anistia é utilizado também para justificar as deficiências da lei possível​. Nas palavras de Cármen Lúcia:

nenhuma dúvida me acomete quanto a não conexão técnico-formal dos crimes de tortura com qualquer crime outro, menos ainda de natureza política. [...]

Mas não vejo como, para efeitos específica e exclusivamente jurídico-penais, nós, juízes, reinterpretarmos, trinta e um ano após e dotarmos de efeitos retroativos esta nova interpretação, da lei que permitiu o que foi verdadeiro armistício de 1979 para que a guerra estabelecida pelos então donos do poder com os cidadãos pudesse cessar ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
https://bit.ly/3RZ8AgE...
, p. 97).

É o passado que se impõe ao presente. Mas, ao mesmo tempo em que há a necessidade de colocar a anistia no passado para justificar a impossibilidade de sua interpretação, esta mesma anistia é inserida no presente. A referência ao “verdadeiro armistício” que cessou uma “guerra” exemplifica o caráter estruturante da anistia de 1979 em relação à democracia. Em outro trecho de seu voto, a ministra diz:

repito: tomar-se a interpretação da Lei n. 6683/79 decotada do momento e das consequências históricas nas quais se deu seria mais fácil, mas seria preciso, para tanto, desconhecer o passado e determinar-se para o futuro sem qualquer apego ao quanto antes decidido, o que poderia chegar, em um momento, a se poder questionar tudo o que foi feito, incluída aí, o processo de criação da Constituição de 1988, que não se deu como queria, por exemplo, a Ordem dos Advogados do Brasil, um Congresso Constituinte, senão uma Assembléia legítima e exclusiva. Não se obteve o que se queria, mas o que se conseguiu é o que nos permite, agora, viver uma experiência democrática ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 96).

De acordo com esta análise, o aspecto ​fundamental da anistia é enfatizado para afirmar que qualquer reinterpretação da lei no presente teria consequências além do instituto da anistia em si, colocaria em risco “tudo o que foi feito” durante a transição, incluindo o arcabouço legal e institucional que nos “permite” viver em uma democracia. Na anistia fundamental há ainda outra relação entre o presente e o passado: uma relação de dívida. O presente (democrático) se torna o resultado do sacrifício do passado (das lutas por uma anistia possível). Esta ideia está muito clara no voto do ministro Gilmar Mendes, que declara: “Talvez o Brasil seja devedor - seguindo um pouco as considerações de José Paulo [Sepúlveda Pertence] - das pessoas que travaram a luta, pela via pacífica, e que acreditaram, inclusive, na via parlamentar.” ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 252).

Nas palavras de Eros Grau:

há quem se oponha ao fato de a migração da ditadura para a democracia política ter sido uma transição conciliada, suave em razão de certos compromissos. Isso porque foram todos absolvidos, uns absolvendo-se a si mesmos.

Ocorre que os subversivos a obtiveram, a anistia, à custa dessa amplitude. Era ceder e sobreviver ou não ceder e continuar a viver em angústia (em alguns casos, nem mesmo viver). Quando se deseja negar o acordo político que efetivamente existiu resultam fustigados os que se manifestaram politicamente em nome dos subversivos. Inclusive a OAB, de modo que nestes autos encontramos a OAB de hoje contra a OAB de ontem. É inadmissível desprezarmos os que lutaram pela anistia como se o tivessem feito, todos, de modo ilegítimo. Como se tivessem sido cúmplices dos outros.

O que se deseja agora, em uma tentativa, mais do que reescrever, de reconstruir a História? Que a transição tivesse sido feita, um dia, posteriormente ao momento daquele acordo, com sangue e lágrimas, com violência? ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 37).

O ministro reafirma a existência de um acordo político, celebrado em um contexto ditatorial por atores com pouca ou nenhuma legitimidade representativa, para justificar as falhas e carências da lei, mas também, e ao mesmo tempo, para justificar a impossibilidade de reinterpretá-la. Uma nova interpretação, de acordo com Grau, seria uma tentativa de rever a História. Na fala do ministro, a lei e o evento histórico que ela representou são uma coisa só.

Apesar da ênfase dos ministros nos aspectos que tornam a anistia estruturante para o regime democrático, se observarmos a realidade sociopolítica do país, vemos que a impossibilidade de investigar e punir os torturadores contribuiu para um discurso de negacionismo histórico, principalmente no que diz respeito à ditadura militar. Por sua vez, este negacionismo está ligado à ascensão da extrema direita no Brasil e aos ataques às instituições democráticas. Seis anos após o julgamento da ADPF 153, o então deputado Jair Bolsonaro homenageou o torturador Brilhante Ustra no plenário do Congresso Nacional, ato que não lhe rendeu nenhuma punição disciplinar. Após eleito presidente, Bolsonaro continuou defendendo e exaltando torturadores e, durante o seu mandato, o Exército passou a comemorar o aniversário do golpe militar ( GESTÃO, 2022GESTÃO Bolsonaro celebra golpe de 64 pelo quarto ano seguido. DW, 31 mar. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3mTi6s2 . Acesso em: 20 abr. 2023.
https://bit.ly/3mTi6s2...
).

Jurisprudência enquanto ferramenta de historicização

Além da operacionalização da história como argumento persuasivo, nos interessam também as práticas de historicização colocadas em marcha por Eros Grau e os outros ministros. Uma das ferramentas de historicização e de regulação temporal é a periodização. Além da periodização de fatos históricos, que aparece no voto de alguns ministros, a escolha da jurisprudência pode ser também uma forma de situar um caso dentro de uma temporalidade. Citar decisões judiciais relevantes é uma ferramenta fundamental da argumentação jurídica e por si só não é uma prática de historicização. Porém, ao optar por determinadas decisões, o operador do direito insere a discussão dentro de um marco temporal específico. No caso em questão, a escolha da jurisprudência ou das decisões citadas reflete a escolha de certas referências temporais (as do passado) sobre outras (as do presente), estabelecendo um diálogo com um determinado tempo.

Grau organiza exemplos jurisprudenciais em três listas distintas. A primeira lista diz respeito aos “crimes conexos”. A OAB argumenta em sua petição que a interpretação vigente da Lei da Anistia seria inconstitucional por considerar ​crimes comuns como ​crimes conexos​. Nesse sentido, Grau reúne cinco exemplos de legislação que fazem alusão a ​crimes conexos​, dos seguintes anos: dois exemplos de 1916, 1930, 1934 e 1945. “Outrossim, a expressão anistia ampla e irrestrita terá surgido no artigo 1o do decreto-legislativo 22, de 23 de maio de 1956 [...]”, adiciona o ministro ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 26, grifo do autor).

Na seção seguinte do voto, Grau organiza uma segunda lista para demonstrar o caráter amplo das anistias ao longo da história. Ao todo, são onze exemplos de recursos criminais e habeas corpus, dos seguintes anos: 1900, 1942, 1957 (dois exemplos), 1958, 1979 (quatro exemplos), 1982 e 2004. Após destacar esses exemplos de “interpretação ampla e generosa” das distintas anistias ao longo da história, Grau encerra a sessão com o seguinte comentário: “Há momentos históricos em que o caráter de um povo se manifesta com plena nitidez. Talvez o nosso, cordial, se desnude na sucessão das frequentes anistias concedidas entre nós” ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 30).

A terceira - e mais extensa - lista é um registro de trinta e cinco atos de anistia decretados no período republicano, de 1891 até 1985. Após citar exemplos tão longínquos como a anistia da oposição ao governo do Marechal Deodoro no Pará e a anistia decretada após Revolta da Vacina, Grau pergunta: “Como deveríamos interpretar esses textos? Tomando-se a realidade político-social do nosso tempo, nos dias de hoje, ou aquelas no bojo das quais cada qual dessas anistias foi concedida?” ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 32). Em seguida ele esmiúça o sentido de “crimes conexos” nas anistias de 1916, 1930 e 1945, para demonstrar que o sentido da expressão deve ser interpretado de acordo com “a realidade histórico-social do momento da anistia de que se trata” ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 33).

Desta forma, a lei de 1979 (enquanto norma legal), os seus elementos (a alusão a crimes conexos) e a sua interpretação (no que diz respeito à amplitude) são inseridos pelo ministro em uma longa tradição legislativa e normativa. A anistia de 1979 passa a ser mais uma dentre muitas outras anistias; um ponto em uma linha do tempo que se estende da fundação da república, atravessa o presente e segue futuro adentro. A ênfase está situada na continuidade e na repetição, não na eventualidade ou excepcionalidade.

Há ainda outra consequência desta periodização. Ao inserir a lei dentro de uma longa tradição que remonta à virada do século XIX, Grau está removendo-a do tempo presente. Mas é dentro da discussão sobre justiça de transição da primeira década do século XXI que se insere a ADPF 153, mesmo se o ministro deixa de dialogar com os debates atuais. Ao defender que não faz sentido interpretar a anistia de 1916, de 1930 ou de 1945 com os parâmetros da atualidade, Grau ignora uma particularidade central da anistia de 1979, a única que está sob análise na ADPF 153: as consequências desta anistia, em particular, ainda estão sendo sentidas e discutidas em 2010. Nesse sentido, a Lei 6.683/1979 difere das outras anistias nessa longa tradição pois a interpretação de sua inconstitucionalidade ainda teria efeitos palpáveis no tempo presente; é no presente que os pressupostos da transição estão sendo debatidos pelos militantes, familiares de vítimas e acadêmicos.

O exemplo do ministro Ricardo Lewandowski, que diferiu de Grau em seu voto e julgou parcialmente procedente a ação, serve como um útil contraponto na escolha da jurisprudência analisada. Lewandowski também dedica uma seção do seu voto ao tema, porém sua escolha é completamente distinta da do relator ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
https://bit.ly/3RZ8AgE...
, p. 118). Na seção “Dos crimes políticos e crimes conexos na jurisprudência do STF”, os casos citados pelo ministro são de 1997, 2003 e 2009, casos em que a corte analisou a definição de crimes políticos. Desta forma, nota-se a opção por inserir o julgamento no debate jurisprudencial atual. Além disso, diferentemente do relator, o ministro Lewandowski traz aspectos do direito internacional para justificar a procedência da ação. Ele cita o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU e a Convenção Americana de Direitos Humanos, ambos ratificados e internalizados pelo Brasil em 1992. As decisões judiciais escolhidas para embasar esse voto acabam trazendo a discussão sobre a anistia para o presente; não são utilizadas como ferramenta para inseri-la em uma tradição que remonta ao - e a prende no - passado.

O tempo na justiça e na história

O tempo é um dos temas centrais quando se discute a relação entre a história e a justiça, entre o métier do historiador e o papel do juiz. O tempo é parte fundamental do processo jurídico, bem como da pesquisa e da escrita da história. A relevância do tempo para a aplicação do direito fica evidente nos conceitos de irretroatividade penal e prescrição, por exemplo. Além disso, no caso da ADPF, certos argumentos de natureza jurídica também cumprem o papel de temporalizar a anistia, como é o caso das discussões sobre as leis-medida e sobre o caráter constituinte da Emenda Constitucional (EC) n. 26.

A questão da prescritibilidade dos crimes anistiados pela Lei n. 6.683 foi analisada nas preliminares e destacada pelos ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso em seus votos. O ministro Marco Aurélio ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
https://bit.ly/3RZ8AgE...
, p. 154) inicia seu voto dizendo que: “Se o Tribunal concluir pela constitucionalidade da Lei, não surtirá efeitos quanto àqueles que praticaram este ou aquele crime.” Em seguida ele afirma que o prazo maior de prescrição quanto à persecução criminal é de vinte anos, e tendo em conta que já se passaram trinta e um anos da Lei da Anistia na data do julgamento, todos os crimes já foram prescritos: “A discussão, Presidente, é - sob a minha óptica, com a vênia dos colegas - estritamente acadêmica, para ficar nos Anais do Tribunal” ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 154).

Em relação à questão da prescrição dos crimes, Cezar Peluso também insiste que todas as ações criminais estão prescritas e questiona:

e a pergunta decisiva seria: qual o interesse legítimo - não digo apenas o interesse jurídico - que ficaria, que restaria para justificar julgamento de procedência desta ação? Ela não serviria para instauração de ação penal, porque ​todas as ações penais estão prescritas​, de modo que, na matéria, não se poderia chegar a nenhuma sentença de mérito! Qual, portanto, a utilidade do julgamento de procedência desta ação? Ela não tem nenhuma repercussão de ordem prática, nenhuma, no campo jurídico ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 211, grifo do autor).

O jurista e historiador do direito Yan Thomas discute o tempo no direito a partir da ideia de imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade. Para Thomas (1998, p. 27), o contrário da imprescritibilidade não seria “o tempo que passa”, mas sim “o tempo prescrito”.

nós não estamos na presença de uma oposição entre naturalidade de um tempo real e artificialidade de um tempo construído. A controvérsia se estabelece sobre duas construções institucionais da memória: uma que a interdita, a outra que a exige. [...] Porque a questão não é: quais são os efeitos do tempo? mas sim: quais efeitos decidiremos atribuir ao tempo? Questão política, escolha política ( THOMAS, 1998THOMAS, Yan. La verité, le temps, le juge et l’historien. Revue Le Débat, Paris: Éditions Gallimard, n. 102, p. 17-36, 1998/5., p. 27, tradução nossa).

Para Thomas (1998THOMAS, Yan. La verité, le temps, le juge et l’historien. Revue Le Débat, Paris: Éditions Gallimard, n. 102, p. 17-36, 1998/5., p. 28), “o tempo no direito é sempre construído”, em contrapartida ao tempo real, vivido e experimentado pelas pessoas. Ele cita algumas operações temporais no direito, como a anulação de um crime, que tenta abolir um evento, a anistia, que tenta apagar o passado, e a imprescritibilidade, que deseja manter o passado vivo no presente. Porém, nessas operações temporais, “o real não é negado”. “Mas fora dele [do real], como num plano de quase realidade paralela, constroem-se regimes de temporalidade que operam como se o tempo fosse outro do que ele realmente é” ( THOMAS, 1998THOMAS, Yan. La verité, le temps, le juge et l’historien. Revue Le Débat, Paris: Éditions Gallimard, n. 102, p. 17-36, 1998/5., p. 28, tradução nossa, grifo do autor). Essas “ficções” não agem diretamente nem no tempo real, nem na memória, mas são ferramentas fundamentais no direito.

Um bom exemplo das construções temporais do direito é a discussão sobre a EC n. 26 de 1985 e o lugar da anistia na nova ordem constitucional. Como mencionado anteriormente em trecho do voto do ministro Gilmar Mendes, a EC n. 26/85 convocou a Assembleia Nacional Constituinte e, no seu Art. 4º, reafirmou a anistia. O relator Eros Grau interpreta essa emenda como o “ato originário” da Constituição, que “inaugura a nova ordem constitucional”, e dessa forma alega que:

eis o que se deu: a anistia da lei de 1979 foi reafirmada, no texto da EC 26/85, pelo Poder Constituinte da Constituição de 1988. Não que a anistia que aproveita a todos já não seja mais a da lei de 1979, porém a do artigo 4º, § 1º da EC 26/85. Mas estão todos como que [re]anistiados pela emenda, que abrange inclusive os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. Por isso não tem sentido questionar se a anistia, tal como definida pela lei, foi ou não ​ recebida pela Constituição de 1988. Pois a nova Constituição a [re]instaurou em seu ato originário ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
https://bit.ly/3RZ8AgE...
, p. 43).

Ao concluir que a EC n. 26 inaugura a nova ordem constitucional, o ministro afirma: “Daí que a reafirmação da anistia da lei de 1979 já não pertence à ordem decaída. Está integrada na nova ordem” ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
https://bit.ly/3RZ8AgE...
, p. 44). Aqui, nos interessa como uma argumentação jurídica cria novas temporalidades e afeta as relações entre passado e presente. De uma só vez, Grau insere a anistia de 1979, uma lei elaborada na ditadura militar por um Congresso sem legitimidade democrática, na ordem constitucional do presente, a ordem democrática.

Outro momento em que fica evidente o caráter temporal dos conceitos jurídicos é na discussão sobre a natureza da anistia travada pelos ministros Celso de Mello e Cezar Peluso. Para Celso de Mello:

isso significa, portanto, que, mantida íntegra a Lei da Anistia de 1979, produziu ela “ministério juris”, todos os efeitos que lhe eram inerentes, de tal modo que, ainda que considerada incompatível com a Constituição superveniente, já teria irradiado (e esgotado) toda a sua carga eficacial desde o instante mesmo em que veio a lume ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
https://bit.ly/3RZ8AgE...
, p. 197).

Já de acordo com Cezar Peluso:

[...] o argumento de que não teria sido a norma recebida pela nova ordem constitucional não significa que não tivesse ela operado dentro da velha ordem, consumando e exaurindo, portanto, na vigência da Constituição anterior, toda a sua eficácia sobre os fatos. Não haveria agora nenhum efeito jurídico pendente por declarar ou atuar ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
https://bit.ly/3RZ8AgE...
, p. 212).

Para ambos, a lei de anistia se exaure em si mesma, atingindo seu fim no momento de sua promulgação. Uma vez que os crimes do passado tenham sido apagados, não há mais o que punir. Apesar do tempo do direito não ter o poder de negar a realidade e nem de apagar a memória desses crimes, para esses ministros, a lei tem sim o poder de eliminar, no plano do processo penal, esses atos. Além disso, esse argumento é utilizado como justificativa para não discutir os efeitos da lei no presente, efeitos estes que são o motivo da própria existência da ADPF 153.

A partir da provocação de Thomas, podemos entender a anistia enquanto um instrumento jurídico que não só pretende reger o tempo processual, como também uma ferramenta que “constrói” uma própria temporalidade, artificial. Portanto, enquanto construção institucional, a anistia pode ser revista e revisitada, como ela já foi ao longa história e será demonstrado adiante. Nas palavras de Thomas, “questão política, escolha política.” Porém, diante desta possibilidade, os ministros do STF apelam para a história e especificamente para o tempo histórico. Diante de uma temporalidade jurídica construída, os juízes mobilizam o tempo da história como se este fosse natural.

Bevernage, em History,​ Memory, and State-Sponsored Violence (2012BEVERNAGE, Berber. History, Memory, and State-sponsored Violence: time and justice​. Nova Iorque: Routledge, 2012.), explora as relações entre o “tempo da história” e o “tempo da justiça” no contexto da justiça de transição. O tempo da história é irreversível, caminha linearmente em um sentido único. Já o tempo da justiça é reversível na medida em que um crime pode ser reparado por uma sentença ou punição. Observando o surgimento das comissões da verdade a partir da década de 1980, o autor interpreta a ênfase na “verdade” (como alternativa à “justiça”) como uma virada para a história e uma tentativa de invocar a noção de irreversibilidade do tempo ( BEVERNAGE, 2012BEVERNAGE, Berber. History, Memory, and State-sponsored Violence: time and justice​. Nova Iorque: Routledge, 2012., p. 11-15). O restabelecimento da irreversibilidade do tempo também tem como consequência a restauração da separação entre passado e presente. A virada para história seria uma tentativa de atenuar a incômoda força da memória, uma reação ao ‘passado que não passa’: “A história, então, é introduzida no campo da justiça de transição não apesarde uma memória já abundante e sim porcausa desta memória ( BEVERNAGE, 2012BEVERNAGE, Berber. History, Memory, and State-sponsored Violence: time and justice​. Nova Iorque: Routledge, 2012., p. 15, tradução nossa, grifo do autor).

Bevernage, em seus estudos sobre história e justiça de transição, parte do diagnóstico de François Hartog de que estamos vivendo um regime de historicidade - definido como a articulação entre passado, presente e futuro - dominando pelo presente, um momento de presentismo​​. Partindo da discussão feita por Hartog em Regimesde Historicidade: presentismo e experiências do tempoHARTOG, François. ​Regimes de historicidade: Presentismo e experiências do tempo​. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.​, publicado originalmente em francês em 2003, Bevernage concorda com o historiador francês ao assinalar que o regime moderno de historicidade está em crise.

O livro de Hartog, por sua vez, está em diálogo direto com os escritos de Koselleck (2006KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução de Wilma Patrícia Maas; Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC-Rio, 2006.) sobre a construção do conceito moderno de história, decorrente do abandono da visão de uma história que se repete e o surgimento de uma visão teleológica da história onde o tempo é homogêneo, singular, linear e progressivo. No regime moderno de historicidade definido por Koselleck e retomado por Hartog, a dimensão ética da história não mais coincide com o passado e é lançada para o futuro. Com isso, a história é vista como a culminação do inevitável progresso humano. Como aponta Joan Scott (2020b SCOTT, Joan W. On the Judgement of History. New York: Columbia University Press, 2020b.), a noção do julgamento da história, ou a ideia de que a história irá julgar fatos, eventos ou pessoas, está ancorada neste regime de historicidade. O conceito de história que surge dos votos dos ministros do STF está intimamente ligado ao regime moderno de historicidade descrito por Koselleck. A estranheza dos ministros diante da ideia de estarem ‘revendo a História’ (mesmo que essa ideia seja falsa), pode ser compreendida se considerarmos os aspectos temporais estruturantes desta concepção da história, principalmente seu caráter linear e progressivo.

Entre passado e presente, uma reinterpretação impossível?

Tanto o movimento de colocar a lei no passado quanto o de trazê-la para o presente levam à mesma consequência: a impossibilidade de revisão. Quando a ​anistia possível está sendo analisada, os ministros estão impedidos de reinterpretá-la pois ela só pode ser analisada a partir das lentes do passado, não a partir das questões do presente. Ela deve ser interpretada no contexto de 1979, levando em consideração as lutas e acordos políticos daquele tempo. Quando a anistia está no presente, adequada à ordem vigente, o seu caráter fundamental é revestido de sacralidade, o que não permite que a toquemos. Revê-la significaria rever o acordo em torno da lei, acordo esse que, para os ministros, é condição subjacente para própria existência do presente (compreendido como regime democrático). A ênfase no suposto acordo transparece uma visão particular da Lei da Anistia: a lei é a expressão, em um dado momento histórico, de uma cultura de conciliação. Esta cultura, mais ampla que o momento da lei, não pode ser revista, pois na opinião de alguns ministros ela é fundamental e fundacional na construção do Estado brasileiro.

Nos votos em questão, os argumentos utilizados para mobilizar a história não só afirmam a irreversibilidade do tempo histórico como também reafirmam que o presente não deve ser projetado no passado. Aos ministros, interessa o caráter progressivo do tempo histórico, além de sua irreversibilidade. O que pertence ao passado pode confortavelmente pertencer também ao presente (as continuidades não são negadas), mas a recíproca não é verdadeira: as preocupações do presente não cabem no passado. Para a ministra Ellen Gracie ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
https://bit.ly/3RZ8AgE...
, p. 153): “Não é possível viver retroativamente a história, nem se deve desvirtuá-la para que assuma contornos que nos pareçam mais palatáveis”

Cabe ressaltar que, ao enaltecer o pacto de 1979, os ministros deixam de comentar que o sentido da lei da anistia já foi revisto e ampliado inúmeras vezes. A própria EC n. 26/85 já ampliava o seu escopo, ao incluir o direito de promoção de servidores civis e militares afastados na ditadura. Esse direito havia sido explicitamente negado no Art. 3o​ da lei de 1979.

Para a cientista política Glenda Mezarobba (2006MEZAROBBA, Glenda. ​Um acerto de contas com o futuro: a anistia e suas consequências: um estudo de caso brasileiro. ​São Paulo: Associação Editorial Humanitas; FAPESP, 2006. , p. 18), a anistia é “um processo político que começou em 1979 e vem sendo redefinido desde então.” De acordo com ela, a Lei dos Desaparecidos (Lei n. 9.140) promulgada em 1995 e a Lei n. 10.559 de 2002, que estabelece a Comissão da Anistia e a reparação econômica às vítimas da ditadura, são parte do processo da anistia e representam a sucessiva ampliação de seus limites. “Parece incontestável que os limites jurídicos da Lei da Anistia há muito foram excedidos”, escreve a autora ( MEZAROBBA, 2006MEZAROBBA, Glenda. ​Um acerto de contas com o futuro: a anistia e suas consequências: um estudo de caso brasileiro. ​São Paulo: Associação Editorial Humanitas; FAPESP, 2006. , p. 151). Desta forma, percebemos que os ministros do STF sacralizam o acordo da anistia que permitiu a ‘pacificação’ e a ‘reconciliação’ da sociedade sem levar em conta as diversas mudanças às quais a lei ​ já foi ​submetida.

Ainda outra confusão surge da identificação da anistia com o contexto histórico da sua promulgação. Ao deliberadamente associar a lei ao seu passado, os ministros negam a possibilidade de reinterpretação da norma sob o argumento de que não é possível mudar o passado ou reescrever a história. Cria-se um falso diagnóstico: rever a lei significaria rever a história. Segundo a pergunta do relator Eros Grau: “O que se deseja agora, em uma tentativa, mais do que reescrever, de reconstruir a História?” ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 38). A argumentação de que não se pode mudar os fatos passados (contida na reafirmação da irreversibilidade do tempo histórico) é absolutamente verdadeira, mas desvia a atenção do que deveria ser o cerne do debate: a reinterpretação de uma norma legal à luz da Constituição de 1988. Diferentemente da ideia de reescrever a história, a possibilidade de reinterpretação legal contida na ADPF existe e é prevista na legislação vigente.

Como definido no início desse artigo, uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental é um mecanismo pelo qual o STF é instado a decidir se determinada lei fere preceitos fundamentais da Constituição Federal de 1988. Gabriel Ducatti Lino Machado observa que no caso da ADPF 153 os ministros pouco se detiveram na própria constituição, que é o parâmetro de uma ação deste tipo. Nas palavras de Machado ( 2012MACHADO, Gabriel Ducatti Lino. O julgamento da Lei de Anistia (Lei n. 6.683/79) pelo STF: dos problemas metodológicos ao problema substancial. ​Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, ​n. 7, p. 232-258, jan./jun. 2012. Disponível em: https://bit.ly/3sp9dbT . Acesso em: 20 ago. 2023.
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, p. 235):

[...] os ministros, de maneira geral, elevaram a principal o que seria acessório -a investigação do conteúdo da lei - e relegaram a acessório o que seria principal -a confrontação do conteúdo amplo da lei com disposições da Constituição Federal de 1988. Ativeram-se ao objeto de prova e esqueceram-se do objeto de disputa -a compatibilidade ou incompatibilidade do conteúdo amplo da lei com a Constituição Federal de 1988.

O voto do relator é emblemático. O ministro Eros Grau pode ter feito interessantes comentários sobre a interpretação de textos normativos, a diferença entre texto normativo e norma e sobre as leis-medida, tudo isso para concluir pela interpretação da Lei da Anistia “a partir da realidade no momento em que foi conquistada” e, assim, por uma ampla anistia. Ainda que se considere correta essa manifestação do ministro, ao dar demasiada atenção à investigação do conteúdo da lei, dá atenção de menos à interpretação da Constituição; ao tentar esgotar a questão da investigação do conteúdo da lei, deixa de tentar esgotar as questões constitucionais atinentes ao conteúdo amplo da lei. Como se a questão central não fosse a constitucionalidade dessa anistia ampla, como se descobrir o conteúdo da lei fosse um fim em si mesmo. Desloca-se o ponto nevrálgico: da confrontação do conteúdo amplo da lei com a Constituição para a investigação do que conteúdo da lei. A interpretação ampla da Lei 6.683/79, ainda que tomada como definitiva, é apenas o ponto de partida, não o ponto de chegada.

A crítica de Machado, apesar de formulada a partir da disciplina do direito, também está relacionada com a análise empreendida aqui sobre os diferentes tempos da anistia nos votos dos ministros. O parâmetro orientador do juiz em uma ADPF deveria ser a constituição vigente, ou seja, o contexto legal do presente. Porém, muitas vezes ao longo da sessão os parâmetros utilizados foram os do passado.

Nesse ponto, é interessante notar que o que torna a lei atual para os ministros do STF são seus aspectos de continuidade - seu vínculo à instauração da nova ordem constitucional via EC 26/85, sua origem no acordo que permitiu a transição pacífica para uma sociedade democrática e que persiste - e não a sua ligação com os debates do tempo presente, os debates da justiça de transição.​ Um dos pré-requisitos para a instauração de uma ADPF, discutido pela própria OAB em sua petição, é a existência de relevante “controvérsia constitucional”, demonstrado a partir da inclusão de seis notícias, todas de 2008, que descrevem opiniões divergentes sobre a possibilidade de reinterpretação da lei ( ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, 2008ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Petição inicial de proposta de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. ADPF n. 153. Brasília/DF: 21 de outubro de 2008. Disponível em: https://bit.ly/3S5Ygn7 . Acesso em: 11 out. 2022.
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). Essas discussões atuais citadas na petição não aparecem nos votos dos ministros, nem daqueles que votaram contra o relator.

Ao invés disso podemos observar vários ministros questionando a posição da OAB de hoje tendo em vista a posição da OAB de 1979. Para o ministro Eros Grau ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 22): “A​ mim causaria espanto se a brava OAB sob a direção de Raimundo Faoro e de Eduardo Seabra Fagundes, denodadamente empenhada nessa luta, agora a desprezasse, em autêntico venirecontra factum proprium”. O​ então presidente da corte, ministro Cezar Peluso, também expressa bem essa posição nas suas observações finais:

e não consigo entender como a mesma Ordem dos Advogados, que, sob a batuta dos grandes Presidentes Faoro e Seabra Fagundes, com base no irrespondível parecer do então Conselheiro Sepúlveda Pertence, teve participação decisiva na aprovação dessa lei, trinta anos depois reveja o seu próprio juízo sobre o alcance da norma que concorreu para editar, refaça o seu pensamento como se tivesse, após trinta anos, acordado tardiamente, recobrando consciência de que a velha norma não se compatibiliza com a ordem constitucional ora vigente! ( BRASIL, 2010BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental n. 153/DF. Arguente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília/DF: 29 de abril de 2010. ​Inteiro teor do acórdão​. Disponível em: https://bit.ly/3RZ8AgE . Acesso em: 18 abr. 2023.
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, p. 213).

O ministro parece até ignorar o fato de que a ordem constitucional de 1979 não é a ordem constitucional do momento da ação. Ora, entre a OAB de ontem e a OAB de hoje, apenas a entidade de 2010 poderia declarar a norma de 1979 incompatível com a ordem vigente, pois apenas a OAB do presente vive na ordem constitucional que é o parâmetro da ADPF.

Considerações finais

No supracitado artigo de 2014 sobre justiça de transição e historiografia, Bevernage argumenta que as funções do historiador enquanto produtor de verdades históricas e defensor da memória são as que costumam ocupar o centro do debate sobre o engajamento da historiografia com a justiça de transição, tanto pelos seus militantes quanto pelos seus críticos. O autor defende que apesar da importância das questões levantadas, essa abordagem é restrita e limitada. Ele aponta uma terceira relação entre história e justiça, a historicização. Nas palavras de Bevernage ( 2014BEVERNAGE, Berber. Transitional Justice and Historiography: Challenges, Dilemmas and Possibilities. ​Macquarie Law Journal​, Sydney, v. 13, p. 7-24, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3OK9lKB . Acesso em: 20 ago. 2023.
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, p. 23, tradução nossa):

o papel da historiografia e do discurso histórico no campo da justiça de transição não deveria ser meramente relacionado às suas funções tradicionais de representar o passado, de buscar a verdade ou mesmo de gerar significado ou identidade, mas também aos seus conceitos de tempo e à maneira específica em que a história conceitualiza a relação entre presente e passado.

Bevernage discute o papel do historiador ativamente envolvido em processos de justiça de transição, mas essas conclusões podem ser facilmente deslocadas para o papel do historiador que estuda esses mesmos processos. Conforme afirma o autor ( BEVERNAGE, 2014BEVERNAGE, Berber. Transitional Justice and Historiography: Challenges, Dilemmas and Possibilities. ​Macquarie Law Journal​, Sydney, v. 13, p. 7-24, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3OK9lKB . Acesso em: 20 ago. 2023.
https://bit.ly/3OK9lKB...
, p. 16-22), as políticas temporais já estão em jogo na justiça de transição, com ou sem a presença de historiadores. As ferramentas de historicização não são exclusividade do profissional, e sim compartilhadas por uma série de atores sociais envolvidos nos processos transicionais, com resultados distintos. A ADPF 153 é um excelente exemplo disso. Nesse caso, o ato de apontar criticamente os usos e abusos do discurso histórico e das formas de historicizar colocam em evidência os dilemas éticos e políticos envolvidos, bem como as consequências epistemológicas e práticas desses discursos.

Joan Scott é outra historiadora contemporânea que vem se debruçando sobre os dilemas dos usos da história, com um foco no manejo das temporalidades. A autora investiga de que forma as representações seletivas do passado “criam diferenças sobre as quais visões do futuro são construídas” ( SCOTT, 2020a SCOTT, Joan W. In the Name of History. Budapest: Central European University Press, 2020a. , p. 5, tradução nossa). Desta forma, os passados sendo produzidos por distintos atores políticos têm em mente diferentes perspectivas de futuro. As referências à história, mesmo quando aparentemente banais, explicam ou legitimam a ação política. Para Scott (2020aSCOTT, Joan W. In the Name of History. Budapest: Central European University Press, 2020a. , p. 103), a história, enquanto operação crítica, deveria interrogar como os termos temporais (passado, presente e futuro) são utilizados para gerar ‘lições da história’. A autora aponta que apesar da ideia de que a história caminha para o progresso, essas articulações temporais e definições do que é passado muitas vezes perpetuam desigualdades, como no caso da escravidão, que, mesmo estando no passado, continua produzindo consequências no presente.

No caso da ADPF 153 e da discussão sobre a Lei da Anistia, a análise dos votos demonstra como a utilização da história não é neutra. A operacionalização da argumentação histórica e das políticas temporais é uma escolha que traz consigo consequências com reais impactos sociopolíticos: o impedimento de julgar e punir torturadores da ditadura é matéria fértil para o negacionismo histórico, dificulta mudanças estruturais nas Forças Armadas e naturaliza a violência estatal. Enquanto historiadores, apontar para os usos performativos da história é também uma janela pela qual podemos refletir teoricamente sobre a relação entre tempo e história, regimes de historicidade e os desafios do historiador contemporâneo, na esteira de Koselleck, Hartog, Ricoeur, Rousso, Scott e tantos outros.

Agradecimento

Agradeço ao Prof. Daniel Aarão Reis, pela orientação desta pesquisa durante meu mestrado, e às professoras Giselle Martins Venancio e Lucia Grinberg, pela interlocução durante a defesa da dissertação.

Referências

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  • THOMAS, Yan. La verité, le temps, le juge et l’historien. Revue Le Débat, Paris: Éditions Gallimard, n. 102, p. 17-36, 1998/5.
  • 1
    Nove dos onze ministros que compõem o STF participaram da votação: Joaquim Barbosa estava licenciado e Dias Toffoli impedido de votar neste caso. Os ministros Ricardo Lewandowski e Ayres Britto julgaram a ADPF 153 parcialmente procedente.
  • 2
    A sentença condenando o Estado brasileiro e solicitando uma nova interpretação da Lei da Anistia foi publicada em novembro de 2010.
  • 3
    Para análise detalhada dos votos e citação específicas, ver capítulo 1 da minha dissertação de mestrado ( COOPER, 2018COOPER, Carolina Castelo Branco. Os usos da história e o Supremo Tribunal Federal: a Lei da Anistia em questão. 2018. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018. Disponível em: https://bit.ly/43SsTn2 . Acesso em: 13 out. 2022.
    https://bit.ly/43SsTn2...
    ).
  • 4
    A “teoria dos dois demônios” surgiu na Argentina. Não existem estudos sobre a persistência desta ideia na memória da ditadura brasileira; quando utilizado o termo se refere às representações de equivalência entre violência estatal e de grupos armados.
  • 5
    Também é marcante a falta de reflexão teórica sobre o conceito de JT no campo da história, considerando suas consequências epistemológicas para a disciplina. Na historiografia brasileira, a JT aparece como um conceito pré-estabelecido e contextual.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

  • Financiamento:

    Não se aplica
  • Modalidade de avaliação

    Duplo-cega por pares.
  • Aprovação no comitê de ética

    Não se aplica
  • Contexto de pesquisa

    O artigo deriva da dissertação “Os usos da história e o Supremo Tribunal Federal: a Lei da Anistia em questão”, orientada por Daniel Aarão Reis, na Universidade Federal Fluminense, no Mestrado em História, defendida no ano de 2018 e disponível em: https://app.uff.br/riuff/handle/1/13402.
  • Disponibilidade de dados de pesquisa e outros materiais

    Não se aplica

Editado por

Editores responsáveis

Flávia Varella - Editora-chefe Breno Mendes - Editor executivo

Disponibilidade de dados

Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Out 2022
  • Revisado
    07 Mar 2023
  • Aceito
    25 Abr 2023
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